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Gustavo Porpino e João Flavio Veloso

Políticas alimentares permanentes

Falta estratégia de Estado robusta para ampliar acesso a alimentos saudáveis

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Gustavo Porpino

Pesquisador, doutor em administração (FGV-Eaesp) e ex-pesquisador visitante da Universidade Cornell (EUA)

João Flavio Veloso

Pesquisador e doutor pela USP/Esalq com pós-doutorado pela UMR Innovation (França)

A pandemia de Covid-19 nos ensinou, ou deveria ter ensinado, a valorizar a cidadania e a solidariedade. As cenas das pessoas revirando latas de lixo em busca de comida ou fazendo fila para comprar ossos não podem ser moralmente aceitáveis em país com agronegócio pujante e capaz de exportar US$ 120 bilhões por ano.

O aparente paradoxo esconde algumas tristes realidades. Produzimos e exportamos cada vez mais grãos e carnes, mas nos falta uma estratégia de Estado robusta para ampliarmos o acesso a alimentos saudáveis —e ainda tateamos um caminho para reduzir perdas e desperdício do campo à mesa.

Políticas públicas alimentares são essenciais para atenuar os "trade-offs" provocados pela nossa capacidade de exportar cada vez mais alimentos. Certamente as exportações são importantes por gerar superávit na balança comercial e fortalecer a nossa economia. A questão não é retirar importância do agronegócio exportador, mas implementarmos também estratégias capazes de apoiar a produção de alimentos básicos, atenuar a alta dos preços internos, expandir o consumo per capita de frutas e hortaliças e contribuir para um sistema alimentar mais atento às tendências globais de sustentabilidade.

O desafio de alimentar mais brasileiros não necessariamente significa que precisamos produzir mais. A condição para aprimorar a segurança alimentar e nutricional (SAN) é termos um sistema alimentar mais justo e eficiente. Ter mais alimentos nutritivos disponíveis para quem até deseja, mas não consegue se alimentar bem por não ter acesso a eles, é mandatório. As razões para tal situação são diversas e históricas, mas é preciso revisitá-las.

O enfrentamento à insegurança alimentar sofre cortes de recursos sempre que a economia está desaquecida, mas a lógica deve ser o contrário. De 2015 para 2016, por exemplo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (​PNAE) perdeu quase 20% de poder de compra, considerando a redução orçamentária de R$ 3,7 bilhões (2015) para R$ 3,4 bilhões (2016) e a inflação anual do grupo alimentos, conforme o INPC, de 10,67% em 2015. Mais recentemente, o orçamento do PNAE também tem sido atingido pela inflação elevada, principalmente pela alta do preço dos alimentos nos últimos dois anos.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), outra iniciativa importante para garantir a comercialização de produtos de pequenos e médios produtores e levar alimentos aos mais fragilizados, foi substituído pelo Programa Alimenta Brasil. O novo programa entrou em vigor com boas intenções, mas o orçamento projetado para 2022 é de R$ 101,6 milhões, insuficiente para atender todas as demandas.

Entretanto, mesmo com tantos entraves, não faltam boas iniciativas públicas e privadas de fortalecimento da SAN no Brasil. Para melhorar a governança, é necessário conectar mais essas ações e aprimorar a integração entre diferentes níveis de governo. Coalizões público-privadas, por exemplo, podem ser implementadas para ampliar a rede brasileira de bancos de alimentos. Para fins de comparação, os EUA possuem mais de 60 mil despensas comunitárias e em torno de 400 bancos de alimentos. O Brasil possui aproximadamente 210 bancos de alimentos, e vários carecem da infraestrutura necessária para gerenciar doações.

Parte do problema demanda inserir mais fortemente políticas públicas alimentares no debate eleitoral, e a sociedade civil deve cobrar dos(as) candidatos(as) nas próximas eleições propostas para fortalecer circuitos curtos de produção e consumo com fortalecimento da agricultura urbana e periurbana, além de iniciativas de economia circular e/ou inovação social para gerar renda e combater a fome. Essas tendências são observadas mundo afora, e o Brasil pode avançar mais se tiver políticas públicas de Estado.

Alimentação é um tema que diz respeito a todas e todos nós, brasileiros. O Brasil tem muito potencial para produzir alimentos, possui capacidade empreendedora e cultura alimentar diversa e rica. Já possuímos os principais ingredientes para termos uma agenda sólida de SAN apartidária, intersetorial, plural, e principalmente, perene.

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