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Gonzalo Vecina Neto e Pedro R. Barbosa

Controle de doenças no Brasil

É preciso contar com estruturas nacionais para lidar com próximas epidemias

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Gonzalo Vecina Neto

Médico sanitarista, é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Eaesp/FGV

Pedro R. Barbosa

Presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP)

No Brasil, errou-se em demasia no enfrentamento da Covid-19. Ainda assim, o SUS, mesmo com importantes debilidades, mostrou à maior parte da sociedade por que é tão necessário. As principais instituições de saúde pública do país, destaque para Fiocruz e Butantan, ao lado de universidades e sociedades científicas, alcançaram reconhecimento sem igual. A sociedade civil organizada desempenhou papel singular, de grandes organizações empresariais a organizações locais.

E o futuro? Como lidar com as próximas epidemias ou pandemias, já sabidas que chegarão?

É preciso contar com estruturas nacionais e em cooperação global visando prevenir, monitorar, controlar e combater futuros novos cenários epidêmicos ou pandêmicos. Estruturas capazes de atuar na vigilância sanitária de localidades, cidades, estados e países, sob prontidão em eventos e riscos diferenciados de natureza desconhecida com potencial epidêmico.

Um novo tipo de vírus surge por mutações constantes ou ainda porque, existente naturalmente num animal, "salta" para um humano. Ele será ou não portador de infecciosidade preocupante? E com que grau de transmissibilidade? Surgirá na Amazônia, no Pantanal, ingressará no país por um aeroporto? Um trabalhador num navio cargueiro?

Há ciência e tecnologia capazes de minimizar bastante os riscos acima. Comparando com outros países, estamos bastante atrasados. Necessitamos de sistemas de informações que integrem todos os locais de cuidado/serviços de saúde, públicos e privados; de laboratórios estruturados, integrados nacionalmente para descobrir vírus novos; de um laboratório com alto grau de segurança para lidar com patógenos ou agentes de altíssimo risco. Ampliar a capacidade e velocidade para sequenciamentos de vírus.

Qualificação profissional diferenciada para laboratórios, pesquisadores, imunologistas, profissionais para análise de dados —big data, sequenciamento genético, epidemiologia genômica e outros campos profissionais e científicos.

Tudo isso precisa ganhar institucionalidade, forma de operação e coordenação, recursos alocados. Demanda nova legislação nacional e novas interações interfederativas no âmbito do SUS, mas não apenas.

O futuro governo deve colocar na agenda a constituição de um sistema nacional de controle de doenças e zoonoses a ser coordenado por uma nova institucionalidade —um centro de controle de doenças similar a existentes tanto nos Estados Unidos como em diversos países, em bases aderentes à realidade institucional e de necessidades brasileiras. Ser assumido como ente estatal nacional, autônomo, independente, capaz de reunir competências internas e mobilizar competências externas —no conjunto da Federação, públicos e privados, para o controle de doenças de interesse da saúde pública nacional, regional e global. E um órgão necessariamente de Estado, pois dotado de poder de polícia.

No país há estruturas, inclusive muitas qualificadas, para compor tal sistema. Mas a fragmentação de ações e descoordenação é notória, além da inexistência de laboratório nacional de segurança nível 4. Ou ainda enormes insuficiências, como capacidade nacional para sequenciamento genético, a enorme limitação dos sistemas de informações. Os laboratórios de vigilância estaduais e municipais são estruturas frágeis, pouco valorizadas. Laboratórios de referência científica em centros e institutos de saúde, apesar de qualificados, sofrem de problemas de infraestrutura e financiamentos adequados, além de descoordenação sistêmica. As conexões entre atenção à saúde humana e à vigilância são limitadas.

Temos importantes estruturas que concorrem em vários campos para a concepção de sistema nacional de controle de doenças: o próprio Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, da Anvisa, da Fiocruz. Nenhum deles tem efetivamente em sua missão o papel esperado para um centro nacional de controle de doenças. Algum pode passar a cumprir tal papel, sem necessariamente outro ente ser criado? Sim, desde que seja legalmente definido para tal, incluindo adequação de estruturas, recursos e, claro, um projeto bem desenhado. Fundamental enfrentar essa tarefa, de modo a termos novas condições para lidar em outro nível com os riscos de novas epidemias e pandemias.

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