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Antonio Carlos do Amaral Maia

Inflação alta derrete o FGTS

Patrimônio dos brasileiros, fundo precisa ser corrigido pelo IPCA, não pela TR

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Antonio Carlos do Amaral Maia

Advogado

Desde 1999, a TR (Taxa Referencial) tem sido usada como índice para corrigir monetariamente as contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Mas a TR não mede a inflação, por ser uma média de taxa de juros controlada pelo Banco Central.

Curiosamente, a União usa o IPCA, índice oficial de correção monetária, para corrigir os títulos que negocia pela via do Tesouro Direto. Os credores privados, que livremente "emprestam" dinheiro para a União, recebem o valor de volta corrigido de verdade. Já os trabalhadores, que na marra emprestam 8% dos seus salários para a Caixa Econômica Federal, recebem a TR.

Em outras palavras, o governo, mesmo sendo o gestor do fundo, paga menos para o poupador do FGTS do que paga para seus demais credores, lucrando com a situação que desfavorece seus geridos, os verdadeiros donos do dinheiro. Um caso evidente de conflito de interesses que justifica a resistência do governo em mudar o índice.

A defasagem é muito grande e tende a aumentar no mesmo passo da inflação. Somente em março de 2022, o IPCA mediu 1,75%, contra 0,04% de TR. A inflação anual contada em abril superou os 12% ao ano, taxa que não se vê desde 2003. Mantidos esses números, o FGTS, patrimônio dos brasileiros, está derretendo sem que seu gestor o defenda.

O governo, quando se "endivida", prefere manter os canais em que paga menos encargos, beneficiando-se na medida em que prejudica os trabalhadores, historicamente os grandes perdedores da inflação. Enquanto as empresas e outros agentes privados conseguem repassar o mico inflacionário aos seus preços, o trabalhador vê seu salário ficar o mesmo, assistindo, quase sempre indefeso, à escalada diária dos preços dos produtos.

Se os salários parados apertam o calo do trabalhador no supermercado e o fazem notar o problema (menos compras com mais reais), e contra ele tentar lutar por meio dos dissídios ou em negociações individuais, no caso do FGTS, que é salário "diferido", a moléstia é silenciosa, mas extremamente prejudicial.

O FGTS foi criado em compensação à perda da estabilidade do empregado, que vigia até o final dos anos 1960. Sua função é preparar o trabalhador, retendo ao longo do contrato de trabalho parte de seu salário mensal, para momentos de dificuldade, inerentes à perda do emprego. Para o desempregado, o FGTS é a comida, a conta de luz, a escola das crianças.

Dada essa relevância social, a lei sempre foi cuidadosa em assegurar que os saldos fossem corrigidos e incidisse juros. Juridicamente, a correção monetária é um mecanismo de manter, no tempo, o poder de compra da moeda, constituindo no dizer do ex-ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, "instituto constitucional", voltado a preservar a propriedade do credor nas obrigações monetárias.

A defesa dos trabalhadores, desde 2014, busca reverter esse cenário por meio da ADI (ação direta de inconstitucionalidade) 5090, proposta pelo Partido Solidariedade e sob relatoria do ministro Roberto Barroso. Essa ação visa substituir a TR pelo IPCA, estendendo aos cotistas do FGTS a mesma garantia de propriedade que têm os donos de precatórios ou detentores de outros créditos contra a União.

A Justiça Federal, Brasil a dentro, acumula milhares de causas individuais, suspensas no aguardo da decisão do plenário do Supremo, a quem cabe a missão de julgar a constitucionalidade das leis. As centrais sindicais já pressionam a corte, mas nada disso tem adiantado. A ADI já está pronta para julgamento há cerca de três anos, mas foi retirada da pauta por três vezes, a última delas há cerca de um ano.

Desde então, o ministro Luiz Fux, guardião da pauta do plenário, tem se mostrado evasivo sobre a volta desse tema à baila, mostrando que não é uma prioridade ações que possam trazer condenações ao governo. Os trabalhadores esperam que a ministra Rosa Weber, próxima ao presidente do STF, mostre a sensibilidade de sempre com as questões sociais e proteja o trabalhador contra o dragão da inflação.

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