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Rascunho do retrocesso

Possível fim do direito ao aborto nos EUA é mau exemplo do debate para o mundo

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Manifestação a favor do direito ao aborto em frente à Suprema Corte, em Washington (EUA) - Win McNamee/AFP

"A Constituição não faz referência ao aborto, e tal direito não é implicitamente protegido por qualquer dispositivo constitucional", escreveu o juiz conservador Samuel Alito, que chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos em 2006 indicado por George W. Bush.

Num rascunho recém-divulgado pelo site Politico, o magistrado indicou a tendência de reversão do direito reconhecido no país desde 1973, no julgamento Roe versus Wade. O presidente do tribunal, John Roberts, classificou o vazamento como uma "flagrante quebra de confiança", mas reconheceu a autenticidade do texto.

No caso ora em debate, analisa-se a constitucionalidade de uma lei aprovada no estado sulista do Mississippi que proíbe o aborto após 15 semanas de gestação.

Embora seja uma praxe da corte que rascunhos de decisões circulem entre seus integrantes e estejam sujeitos a mudanças, o vazamento expôs ânimos políticos acirrados em torno do tema. Curiosamente, a decisão Roe vs. Wade também acabou sendo divulgada primeiro pela imprensa na época, por questão de horas.

Nos EUA, o tema é tratado nas esferas federal e estadual. Em 1973, a Suprema Corte garantiu a proteção constitucional e nacional ao direito, o que foi confirmado em sua essência por outra decisão de 1992 (Planned Parenthood vs. Casey).

Com base nessas decisões, ora em perigo, autoridades não podem hoje impor um "obstáculo substancial no caminho de uma mulher que busca um aborto antes que o feto atinja a viabilidade".

Retirada a norma, por uma Suprema Corte de maioria conservadora (6 votos de 9), os estados estariam livres para impor restrições locais. Estimativas apontam que ao menos 24 estados dos 50 governos estaduais assim procederão.

Não se pode subestimar o impacto desta decisão. No plano doméstico, as mais prejudicadas serão provavelmente mulheres de baixa renda, que já têm um filho, solteiras e na faixa de 20 anos —o grupo estatisticamente mais propenso a fazer aborto nos EUA.

A necessidade de viajar a outro estado tende a resultar em procedimentos inseguros, comprometendo a saúde pública —que é como a questão deve ser encarada, no entender desta Folha.

Quanto ao panorama global, trata-se de retrocesso de grande peso em tema já pacificado na enorme maioria das democracias desenvolvidas do Ocidente.

editoriais@grupofolha.com.br

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