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Sergio Couri

Itamaraty comete irregularidades em processo investigatório

Fui demitido pelo ministério mesmo sem ter praticado nenhum ato ilegal

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Sergio Couri

Embaixador, economista, advogado e escritor

Em 17 de outubro de 2014, esta Folha publicou a reportagem "Itamaraty vai investigar contas do consulado em Mendoza" em razão de supostas irregularidades financeiras ocorridas quando fui cônsul-geral na cidade argentina, o que precipitou uma comissão disciplinar persecutória antes que eu pudesse esclarecer um simples mal-entendido.

A comissão cometeu 50 irregularidades no processo, violando Constituição, legislação e jurisprudência, como inexistência de denúncia, enquadramento pela sindicância sem provas e defesa, fim da instrução sem investigações por mim solicitadas, inversão do ônus da prova, acusações sem provas ou genéricas, extrapolações do raio investigativo, negação de vista dos autos e criptoimputações. Afrontaram o Código Penal com a ocultação de documentos e prevaricação, e os autos continham "rombo" de 800 páginas.

Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores - Roque de Sá/Agência Senado

O consultor jurídico da Advocacia-Geral da União/Controladoria-Geral da União no Ministério das Relações Exteriores (MRE), George Galindo, omitiu-se em seu parecer. Galindo foi nomeado pelo então chanceler José Serra, em 2016, e adaptou-se ao jogo de poder interno do Itamaraty.

Em decorrência disso, fui demitido pelo então ministro Aloysio Nunes em novembro de 2017, com 50 anos de carreira e sem antecedente disciplinar. Hoje tenho 74 anos, e o afastamento cortou-me a aposentadoria, única fonte fixa de renda, e o plano de saúde. Luto nos tribunais para comprovar minha inocência.

Como o relatório da comissão me inocentou de lesão ao erário ou envolvimento de dinheiro público, nele se pretextou "cadastramento do Consulado Geral junto a uma casa de câmbio para troca de recursos particulares" —quando apenas identifiquei os funcionários que preenchiam os requisitos da lei argentina para trocar legalmente cheques pessoais por moeda norte-americana.

Em 2018, o processo foi julgado novamente, e o mesmo ministro reconheceu "elementos que justificavam proporcionalidade da pena". O MRE, no entanto, não tomou providências, pois a AGU alegou que a administração "não dispõe de margem discricionária", ao passo que legislação e jurisprudência amparam modificação de pena inadequada.

Impetrei mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do ministro Francisco Falcão. Ali ocorreram outros 33 vícios. O julgamento ignorou a preliminar de nulidade pelo bloqueio a recursos no curso do processo administrativo, assim como o rejulgamento da causa no MRE. Nos embargos, a minha defesa, que antes fora dissuadida de apresentar "sustentação oral", não foi convocada para questões de fato, apesar de regularmente inscrita, e o voto condutor do acórdão serviu-se de opinião da CGU e do Ministério Público, negando competência ao Judiciário, o que envolve o Supremo Tribunal Federal. O voto do relator teria sido disponibilizado algumas horas antes das sessões. Diante de pedidos de vista, o processo era retirado de pauta. No Carnaval deste ano, um recurso foi levado a julgamento virtual antes dos preexistentes.

Outro fato superveniente foram dois processos abertos no MRE para investigar em separado funcionários consulares pelas mesmas alegações —o que eu pedi anteriormente e foi ilicitamente negado. No rol, minha sucessora, outra diplomata e um oficial de chancelaria. Os processos foram "engavetados" por dois anos pelo corregedor Wladimir Valler Filho e, no final de 2021, "arquivados" pelo atual, Marco Nakata, sem penalidades.

Anteriormente, diante dos dois fatos novos, eu havia requerido aos ministros Ernesto Araújo e Carlos França a revisão do meu processo. Pressionados pela AGU/CGU, negaram-se ilegalmente a fazê-lo.
Diante do arquivamento, voltei a requerer reintegração ao ministro França, argumentando que, se não havia atos puníveis dos servidores, não havia do cônsul-geral. O ministro despachou dizendo que "não havia fatos novos".

Outro processo se encontra na Presidência da República, desde janeiro de 2021, para decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Sempre passei ao largo de atos ilegais. Além de servidor, sou economista, advogado e escritor. Fui assessor internacional do Estado-Maior do Exército (1986-88), representante do Itamaraty no Paraná (2003-11), cônsul-geral em Mendoza (2011-14) e embaixador em Santa Lúcia e na Organização dos Estados do Caribe Oriental (2014-17). Em 2007, o Itamaraty condecorou-me com a Ordem de Rio Branco.

Espero que este artigo contribua para uma conscientização em torno de meu esforço ingente pela reparação de tão gritante e impune injustiça.

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