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Rafael A. F. Zanatta, Pedro Saliba e Gabriela Vergili

As regras do jogo eleitoral e a várzea dos dados

Grande teste é saber se normas inibirão uso ilegal de informações

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Rafael A. F. Zanatta, Pedro Saliba e Gabriela Vergili

Respectivamente, diretor, líder de projeto e pesquisadora da Associação Data Privacy Brasil

Em outubro de 2018, a repórter Patrícia Campos Mello, desta Folha, revelou detalhes da operação de empresas de disparos automáticos de mensagens que ofereciam serviços para mobilizar eleitores pelo WhatsApp. Por trás da engrenagem de desinformação, estava a utilização ilícita de bases de dados, provavelmente vendidas por ex-funcionários de grandes empresas.

As companhias citadas eram Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMS Market. Por R$ 0,10, era possível disparar uma mensagem da própria base do candidato. Se fosse uma base fornecida pela agência, o preço subiria para R$ 0,40. Em 2020, a SallApp foi proibida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo de distribuir, promover, operar e vender serviços de mensagens em massa pelo WhatsApp. No ano seguinte, as empresas Kiplix, Deep Marketing, Yacows e Maut foram proibidas de usar a imagem do WhatsApp e vender pacotes de disparos.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa
Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa - Reprodução

Hoje, um dos desafios da Justiça Eleitoral é fazer valer a Lei Geral de Proteção de Dados no contexto de campanhas eleitorais. Autoridades públicas chegaram a elaborar um guia sobre o assunto. Um dos problemas é como garantir propagandas lícitas na internet, especialmente quando há uso de nossos dados.

A propaganda eleitoral na internet é regulada pela legislação de cinco formas. A primeira é por sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado em provedor brasileiro. A segunda é por sítio do partido político, federação ou coligação hospedado no Brasil e comunicado à Justiça Eleitoral.

A terceira é por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido, federação ou coligação, desde que exista uma "base legal" para tratamento de dados pessoais nos termos da LGPD —como consentimento. Nesses casos, o cidadão tem direito a informações sobre o tratamento de seus dados e um canal de comunicação para obter a confirmação da existência do tratamento e formular pedidos de eliminação de dados ou descadastramento.

A quarta é por meio de blogs, redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, sendo que o conteúdo deve ser gerado ou editado pelos candidatos, partidos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa; ou pessoa natural, vedada a contratação de impulsionamento e disparo em massa de conteúdo.

A quinta é o impulsionamento feito com aplicações como Instagram e Facebook, mediante CPF do responsável, CNPJ e menção expressa à "propaganda eleitoral" no momento em que a informação chega ao público-alvo. Somente empresas cadastradas na Justiça Eleitoral podem oferecer tais serviços.

Mesmo com regras claras, há notícias de vendas de bases de dados em grupos de Telegram e empresas que insistem em oferecer serviços de disparos em massa, ambos negócios ilegais. Nesses casos, só há uma alternativa: a ação rápida da Justiça Eleitoral para barrar essas empresas e evitar que ilícitos se perpetuem durante o período eleitoral.

As regras do jogo para 2022 são distintas das de 2018. O problema não está na ausência de normas eleitorais focadas na proteção de dados pessoais. O grande teste será avaliarmos se essas regras são para valer ou se nosso jogo eleitoral, o mais importante para a democracia, virou uma várzea apoiada nos usos ilegais de nossos dados.

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