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Flávia Lefévre Guimarães

A Justiça deve proibir o Telegram no Brasil? SIM

É inadmissível que aplicativo decida quando e quais ordens judiciais cumprirá

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Flávia Lefévre Guimarães

Advogada, mestre pela PUC-SP e integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social

Às vésperas das eleições, desafios e riscos para nossas instituições democráticas se apresentam: temos uma empresa prestando serviços de comunicação na internet para mais de 50 milhões de brasileiros, com papel determinante no palco de debates políticos e eleitorais, que ignora iniciativas de enfrentamento à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Ministério Público e se nega a manter interlocução com as autoridades.

O problema é maior, pois se trata de empresa estrangeira sem responsável ou representação no Brasil para viabilizar o cumprimento de direitos, obrigações e ordens judiciais em geral. Falo do Telegram, provedor de aplicação de mensagens ao qual milhões de brasileiros vêm aderindo —entre eles grupos financiados por forças fascistas, difusores de discursos de ódio e criminosos— desde que o WhatsApp adotou restrições para conter o uso abusivo de sua plataforma.

O TSE e os principais provedores de aplicações assinaram em fevereiro memorandos de entendimento com vistas a conter a desinformação, garantir a higidez do processo eleitoral e evitar o que ocorreu em 2018, com resultados artificiais e danos severos para o cenário político.

O Telegram ficou fora dessa iniciativa, ignorando as tentativas de contato do TSE. Além disso, vem dificultando o recebimento de ordens do Supremo Tribunal Federal. Depois de muito esforço e da descoberta de advogados da empresa no Brasil, o STF fez chegar ao Telegram decisão determinando a suspensão de contas do bolsonarista Allan dos Santos, difusor de desinformação em massa, sob pena de bloqueio da plataforma. Só assim a ordem foi cumprida.

Mas o problema não está superado: o Telegram tem afirmado que cumpre ordens judiciais quando elas digam respeito a terrorismo ou a violações de direitos autorais, mas que resistirá quando se tratar de "restrições locais sobre liberdade de expressão". Ou seja, coloca-se na posição de decidir quando e quais ordens judiciais cumprirá, de acordo com seus critérios, o que é inadmissível pelo aspecto da nossa soberania.

Essa situação tem levado a controvérsias sobre a possibilidade de se impor ao Telegram a abertura de canais oficiais de interlocução com as autoridades.

Entretanto, o Marco Civil da Internet (MCI) é taxativo quanto à submissão de empresas às leis brasileiras quando exploram qualquer operação de tratamento de dados ou de comunicações, como é o caso do Telegram. O MCI também estabelece a obrigação aos provedores de guarda de registros de acesso a aplicações e a disponibilização desses dados para as autoridades. É incontestável então que, para a efetividade da lei, a empresa tenha representação no país. A interpretação diversa e recuada do MCI, para além de ser questionável, nos expõe à extrema vulnerabilidade.

Temos, portanto, amparo legal, justificável e legítimo para que, diante da resistência do Telegram em atender os apelos institucionais, respeitado o devido processo legal, com base no poder geral de cautela do juiz, o bloqueio se imponha, ainda que em caráter excepcional e como "ultima ratio" ("último recurso"), de modo a preservar o Estado de Direito, de acordo com o qual todos estão submetidos à lei.

E nem se diga que o bloqueio representaria desrespeito à liberdade de expressão dos usuários do Telegram, pois este não é o único canal de comunicação disponível —e mais, num juízo de proporcionalidade, não deve se sobrepor à proteção das instituições democráticas e ao sistema eleitoral brasileiro.

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