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Sílvio Eid

O voto no futuro

Como fazer escolhas para um país que não será mais meu?

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Sílvio Eid

Empresário formado em administração de empresas (Eaesp/FGV), é pai de dois e avô de quatro

Sempre votei. Comecei aos 18 anos, em 1972, sob a ditadura militar. Era uma simples eleição para a Câmara Municipal de São Paulo, mas fiz questão de escolher um vereador. A partir de então, sempre que havia uma eleição, nunca deixei de votar livremente, de acordo com minhas convicções —pensando nas mudanças tão necessárias para que o Brasil pudesse ser um país mais justo, desenvolvido, sustentável e solidário. Sabia que esse cenário não seria alcançado em um mandato, mas exigiria uma série deles para que minha geração pudesse ver seus ideais realizados. Uma geração que sonhou entregar um país melhor a seus filhos e netos.

Cinquenta anos depois, sinto que fracassei. Meu exercício do sagrado direito ao voto não resultou no Brasil que eu esperava. Posso ainda continuar tentando —e vou. Daqui a dois anos faço 70, idade que dispensa a obrigatoriedade do voto. Que horizonte temporal me resta? Não seria arrogância minha achar que sei o que escolher para um país que não será mais meu, mas dos meus filhos e netos?

Esse pensamento vem me acompanhando à medida que fui reduzindo meu ritmo de trabalho e comecei a me retirar da linha de frente, dando espaço para a nova geração, madura, que já passa dos 40 anos. Cada vez mais tenho transferido poder, gestão, meios e bens para que esta nova geração possa exercer sua capacidade em toda a plenitude. É esse pessoal que hoje, com filhos na idade escolar, e amanhã, netos, terá de fazer escolhas para enfrentar enormes desafios, com consequências em suas vidas pelos próximos 30 anos.

Se é esta geração que terá de assumir seus erros e acertos, por que eu deveria votar depois dos 70, fazendo escolhas para um mundo que não terá mais efeito sobre mim? Hoje, ainda sendo obrigado a votar (embora, se quisesse, poderia oferecer uma justificativa qualquer para não o fazer), sinto que no limite meu voto é irresponsável, pura vaidade, já que as consequências afetarão muito mais os mais jovens.

Por outro lado, não quero abrir mão do meu direito de votar, conquistado a duras penas. Penso ser nossa obrigação lutar para que este instrumento seja mantido, bem como todo um conjunto de regras democráticas.

Sendo assim, tomei uma decisão: vou perguntar aos meus filhos em quem eles querem que eu vote; quem eles julgam representar a esperança de um futuro melhor para eles, seus filhos e os filhos de seus filhos.

Em outubro deste ano de 2022, e nas eleições seguintes, votarei em quem meus filhos indicarem. Vou me sentir mais leve com a minha consciência, pois, em vez de levar para a urna o ceticismo de quem já viveu muito e viu de tudo, depositarei a esperança dos que ainda acreditam. Tenho certeza de que minha visão de mundo não é nem melhor nem pior que a deles, só que não é ela que vai ter algum peso nos próximos 30 anos.

Nunca perguntei aos meus pais em quem eu deveria votar, mas agora perguntarei aos meus filhos. É a vez deles. Quem sabe não dará mais certo? E, se não der, ao menos terei sido aliado deles nas mudanças que tanto desejam.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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