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Outros 200

Que sejam prósperos, inclusivos e democráticos os próximos 2 séculos do Brasil

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Museu do Ipiranga, em São Paulo, durante reforma em fevereiro - Eduardo Knapp - 4.fev.22/Folhapress

O Brasil não se destaca pela velocidade com que supera os seus desafios históricos, mas carrega potencialidades, algumas já desabrochadas, para modificar essa trajetória.

Apenas quando ia longe a sua caminhada como nação autônoma, mais de 160 anos após romper os laços coloniais, o país conciliou-se com o único regime capaz de viabilizar as ambições de paz, inclusão e prosperidade de sua população numerosa e diversificada.

Hoje, no bicentenário da Independência, a democracia brasileira viceja há mais tempo do que nunca. Ameaçada por uma recidiva do cancro autoritário, chaga que dormitava sem ter sido eliminada, não dá o menor sinal, no entanto, de que desta vez irá sucumbir.

Um incidente europeu, a invasão napoleônica da Península Ibérica, provavelmente foi decisivo para a peculiar história brasileira no contexto das Américas. A mudança da corte portuguesa para o Rio com suas necessidades crescentes de recursos conferiu poderes de barganha às elites coloniais brasileiras no início do século 19.

A resultante, em contexto de penetração das ideias iluministas e autonomistas, foi a independência na ex-colônia lusófona ter sido conduzida pelo herdeiro do trono português, produzindo uma monarquia enquanto a vizinhança hispano-americana adotava cópias institucionalmente débeis do modelo republicano dos Estados Unidos.

Nascia em 1822, com a nação, também o conflito primordial e persistente na sociedade brasileira entre as forças da abertura e as da predação oligárquica, com ampla vantagem para as segundas. O primeiro movimento constituinte foi fulminado pelo imperador.

Concessões mínimas de responsabilização política foram arrancadas do primeiro Pedro, em troca de financiar campanhas militares, e efêmeras diástoles liberais ocorreram nas décadas seguintes, mas a mais abominável e desumana das instituições, a escravidão, prosseguiu e até se fortaleceu antes de ser abolida em 1888.

A República deu pequena vazão à ascensão de novos atores numa população que se expandia pelo efeito da imigração e da queda da mortalidade. A política seguiu restringindo a ampla participação popular no primeiro século do regime.

Rupturas violentas patrocinadas pelas Forças Armadas passaram a compor a paisagem do século 20 até o final da ditadura em 1985. Em meio à instabilidade, o Judiciário veio se firmando como um Poder de fato independente.

A saúde pública deu no início do regime republicano as primeiras respostas para a insalubridade a que estavam entregues vastos segmentos da população. A instrução das massas, majoritariamente pretas e pardas, foi preterida.

Direitos elementares e coletivos se expandiram com dificuldade, passando ao largo dos contingentes mais pobres e informais. Predominou a contínua depredação florestal em busca de ganhos fugidios, pelo emprego de técnicas agrícolas e extrativistas rudimentares.

O dirigismo e o intervencionismo estatais, entremeados de suspiros de abertura, tornaram-se a face econômica da hegemonia oligárquica novecentista. A caça à renda por meio do sequestro dos orçamentos e dos regramentos estatais, o seu método de agir.

Essa dissipação secular de energia criativa, que resultou de a maioria da população ter sido constantemente privada de realizar a pleno as suas potencialidades, começou a ser combatida muito tarde, com a redemocratização já nos estertores do século 20.

Foi o advento democrático que universalizou o acesso ao ensino básico e aos serviços de saúde. Sob o regime das liberdades o país deu cabo da inflação, que erodia o consumo dos mais pobres, e teceu ampla rede de seguridade.

Na vigência do Estado democrático de Direito o país enfim lidou com os fantasmas do autoritarismo, erigindo um arsenal institucional que torna muito difícil a recaída. Pôs-se também a livrar-se paulatinamente da gordura estatista e intervencionista que obstrui as artérias da produtividade e desconecta o Brasil do mundo.

Legislações e burocracias equipadas para coibir as práticas ambientais predatórias e incentivar as sustentáveis nos mais diversos setores —agropecuária, mineração, infraestrutura, expansão urbana— também constituem marca típica do regime inaugurado pela Constituição de 1988.

Há menos de 40 anos, portanto, a democracia possibilita uma investida multifrontal contra as barreiras seculares que impedem dezenas de milhões de brasileiros de alcançar a felicidade e o conforto material.

Os adversários da sociedade aberta, próspera e solidária continuam à vista, alguns no governo, mas perderam primazia histórica.

Que venham mais 200 anos de Independência, mas que sejam outros —democráticos, prósperos e inclusivos em sua inteireza.

editoriais@grupofolha.com.br

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