Infelizes-felizes

As pessoas que sempre estão com algum problema, dor ou sofrimento

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Com certeza você conhece essa pessoa. Está sempre com algum problema: dor, saudade, ressentimento, decepção. Passa o dia se equilibrando entre uma mágoa e outra e se agarra a dores reais ou imaginárias para escapar do risco de estar bem. Vive ao contrário: se feliz, sente-se vazia e, quando triste, a vida começa a fazer sentido. Até quando sorri escancara uma angústia que finge esconder, mas que no fundo precisa externar. O sofrimento para ela é nobre, moralmente superior a qualquer felicidade.

Na rua você reconhece de longe. Segura firme a bolsa, se protegendo dos assaltantes que, por certo, a estão perseguindo. Leva consigo um guarda-chuva. Se chove reclama da chuva, se não chove, reclama que carregou inutilmente o guarda-chuva.

Desenho de uma boca de mulher com batom com feição triste e olhos chorando por cima de um fundo azul acinzentado.
Silvis

Mal você a encontra e ela começa a disparar as suas lamúrias. Narra com detalhes as varizes que surgiram na perna, até chegar às artérias do seu coração sangrento. Família, vizinhos, amigos, todos conspiram. E para piorar tem a dor nas juntas, os preços altos, a pouca vergonha na novela das oito. E você percebe, a pessoa se regozija com o próprio martírio. Consolar? Não! Ela precisa que você se compadeça de sua dor e confirme que a situação é grave, irremediável.

Nem nas férias há descanso na sua fábrica de lamentos. Avião lotado, estrada ruim, comida oleosa, neve muito fria, areia muito quente. No restaurante sempre muda os ingredientes do cardápio e se arrepende de não ter pedido o prato do amigo. Nem na sobremesa sua amargura dá trégua, o bolo é doce demais,
prefere mesmo sabores amargos.

Psicólogos, para ela, são charlatões, pois não percebem que o problema é dos outros. Prefere mesmo médicos, de preferência os que dão remédios: a prova material do seu sofrimento. Confia mais nos que ardem, porque para funcionar precisa doer.

Estes são os infelizes-felizes. E ninguém tem o direito de atrapalhar com uma alegria vulgar.

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