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Marcia Castro e Mariana Luz

A fome que ataca as infâncias

Oferta de merenda de qualidade tem potencial para mitigar dieta escassa

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Marcia Castro

Professora de demografia, é chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard e colunista da Folha

Mariana Luz

CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e, desde 2015, nomeada Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial

Passadas as eleições, é fundamental que a fome que aflige parte considerável das famílias seja um dos principais temas debatidos. Banir o país do mapa da fome é uma ação urgente, que começa no primeiro dia de governo, mas passa pela construção de uma política de Estado de longo prazo, equitativa e sustentável.

A fome dói e adoece sem discriminação de idade, gênero e raça. Mas é entre as famílias com crianças pequenas que mostra a sua face mais cruel, enfraquecendo o presente e comprometendo o futuro das crianças.

Durante a primeira infância, o cérebro está em seu ponto máximo de desenvolvimento e chega a 1 milhão de sinapses (junção de neurônios) por segundo. A criança que não recebe os nutrientes necessários nessa fase poderá ter perdas cognitivas, mais dificuldades de aprendizado, alfabetização e compreensão do mundo, com impactos em sua autoestima, trajetória escolar e capacidade produtiva no futuro.

A escola é um elo importante de acesso às famílias mais pobres e, portanto, mais expostas à insegurança alimentar. A oferta de merenda de qualidade tem potencial para mitigar a dieta escassa e desbalanceada de muitas delas.

Embora seja essencial garantir as crianças na escola, houve uma queda significativa no número de matrículas durante a pandemia. Os dados do Censo Escolar 2021 mostram que o acesso das crianças à educação infantil caiu 7,3% entre os anos de 2019 e 2021 no Brasil —isso quer dizer 653 mil crianças a menos na escola.

Com o apoio do governo federal, uma campanha de busca ativa coordenada entre as áreas de assistência, saúde e educação precisa ser priorizada pelos governos estaduais, exercendo seu papel no regime de colaboração e apoiando os municípios de todo o país.

Nada é mais eficaz que a política pública para alcançar a capilaridade que um país continental como o nosso precisa. Mas, para ser efetiva, a política pública deve ser equitativa.

Pesquisas mostram o impacto positivo dos programas de transferência de renda no combate à fome, especialmente aqueles focalizados nas mulheres em situação de vulnerabilidade, que, ao terem acesso a algum recurso financeiro, gastam, prioritariamente, com alimentação.

Essas iniciativas precisam ser reforçadas, ampliadas e focadas naqueles que mais precisam. Um diagnóstico emergencial que una esforços de estados, municípios e União pode ser crucial para garantir a equidade na distribuição de recursos.

Nos últimos meses, diferentes levantamentos trouxeram o milionário saldo da fome. No Brasil, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 indica que 6 a cada 10 famílias convivem com algum grau de insegurança alimentar.

Não faltam evidências que comprovem a gravidade da situação. Ainda que parte das consequências seja de longo prazo, as ações precisam ser imediatas. A criança não pertence apenas a uma família, cidade ou estado. Está na nossa Constituição: a criança é responsabilidade de todos nós, governos, empresas, terceiro setor e sociedade. Este é o momento de unir esforços.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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