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José Eduardo Cardozo

A viagem do presidente eleito à COP27

Não houve ilegalidade, e críticos não apontaram alternativa melhor que a carona

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José Eduardo Cardozo

Advogado e professor de direito (PUC-SP e (UniCEUB-DF), é ex-ministro da Justiça (2011-2016, governo Dilma) e ex-advogado-geral da União (2016)

Tivemos recentemente um debate sobre a viagem do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à COP27, no Egito. Discute-se a ilicitude ou a imoralidade do uso de um avião particular pertencente a um empresário integrante da sua comitiva. O exame dessa questão exige o exame prévio de alguns pontos:

1 - A lei não prevê o uso de aeronaves públicas por governantes eleitos no período de transição, mesmo quando convidados para participar de eventos oficiais relevantes. Por nobreza institucional, em tais casos, seria natural que governo que sai oferecesse ao que entra os meios para o deslocamento. Algo impossível de ocorrer no governo Jair Bolsonaro (PL);

2 - A comitiva do presidente eleito poderia, de fato, viajar em aviões de carreira. Só que essa decisão não seria razoável ou prudente nos dias em que vivemos. Atos antidemocráticos, ameaças, agressões, violências verbais e físicas têm ocorrido diariamente, atingindo até ministros do Supremo Tribunal Federal. Nas redes sociais, tresloucados defendem que o presidente eleito seja levado "ao cemitério". Viajar em voos comerciais seria expor o eleito e a sua comitiva a situações de risco eventuais ou planejadas. Um forte aparato de segurança teria de ser montado, com duvidosa eficiência prática e custos elevados para a PF, além dos inconvenientes causados a passageiros e tripulantes;

3 - Outras opções seriam a locação de uma aeronave adequada para uma viagem ao Egito ou o cancelamento da participação no evento. Segundo dirigentes do PT, o custeio dessa locação, por seus custos, seria impossível de ser realizada com os recursos partidários disponíveis. A busca de uma doação para viabilizar essa locação, do ponto de vista legal, moral e da polêmica que a envolveria, equivaleria ao da cessão direta de uma aeronave privada por um integrante da comitiva. Obviamente não cogitamos da possibilidade desse repasse de recursos ser feito de forma simulada ou às ocultas, por ser uma conduta induvidosamente criminosa e imoral;

4 - Nesse contexto, a viagem do presidente eleito em avião de propriedade de um dos membros da sua comitiva deve ter sido avaliada como a melhor alternativa. Há anos José Seripieri Filho é amigo de Lula. As empresas que comanda ou comandou não firmam contratos com o poder público. Durante a campanha eleitoral deu opiniões, fez doações lícitas e abriu a sua residência a empresários, buscando angariar apoio para os seus candidatos. No comício da vitória esteve ao do eleito do presidente eleito. O convite para que integrasse a comitiva presidencial não foi, assim, anormal ou atípico, inexistindo razões para a construção de ilações sobre a existência de qualquer relação espúria de ocasião.

Respondamos então agora a questão. Crime certamente não houve, mesmo que se alargue a latitude dos tipos criminais previstos em lei. Lula sequer foi diplomado e não existem indícios mínimos de que a viagem em avião privado envolvesse uma troca de "favores indevidos". Nada de imoral existe no fato de que um membro de uma comitiva de um presidente eleito, por ter um avião, o ofereça para uma viagem que fariam juntos. Terá sido então um mero erro de avaliação política? Quem assim ache deve apontar qual seria a alternativa melhor que, no caso, poderia ter sido seguida. Sem isso, a crítica torna-se descabida.

Denunciar e combater a corrupção é um dever. Só que quando falsos escândalos são construídos, nivelamos malfeitores e injustiçados. Estaremos prestando, com isso, um desserviço a essa luta. Não há nada mais desejável para os verdadeiros corruptos do que acusações indevidas espalhadas ao vento. Elas inibem, no cotidiano da vida, a realização da saudável e pedagógica separação entre o joio e o trigo.

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