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Jair Mari e Naomar de Almeida

Saúde mental na era Lula

SUS não conseguirá dar conta da nova demanda provocada pela pandemia

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Jair Mari

Professor titular do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, é coordenador de Saúde Mental dos Centros Urbanos da World Psichiatric Association

Naomar de Almeida

Professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP

Quando na década de 1980 realizamos os primeiros estudos epidemiológicos multicêntricos no Brasil (em Brasília, Porto Alegre e São Paulo), ficamos surpresos ao encontrar uma prevalência de transtornos mentais estimada em 25% no período de um ano, significando que um quarto da população adulta se beneficiaria de alguma forma de cuidado à saúde mental. Será que erramos nos instrumentos? Foi nossa primeira reflexão naquele momento. Com o passar do tempo, resultados de vários estudos mostraram que não. O Brasil de fato tem uma das mais altas prevalências de ansiedade, alcoolismo e transtornos depressivos.

Transtornos mentais resultam de complexa interação entre genoma, ambiente social e história pessoal, expressa pelas experiências singulares do ser humano, desde sua concepção até o seu cotidiano. Fatores de risco sociais de base estrutural, como racismo, desigualdades e pobreza, estão entre os mais fortes preditores de transtornos mentais e criminalidade. Políticas de proteção social, como estratégias de transferência de renda apoiadas por condicionalidades, e programas de promoção da saúde mental, auxiliam na minimização desses efeitos. Uma rede assistencial efetiva deve reduzir a morbidade e as incapacidades decorrentes.

A pandemia de Covid-19 traz novos desafios. Com 700 mil óbitos e 35 milhões de casos confirmados, a sindemia gera enorme impacto na saúde mental, com aumento da orfandade, reações depressivas, lutos complexos, estresse pós-traumático e sequelas neuropsiquiátricas, como a Covid longa e o "brain fog" (dificuldade de concentração e sensação de confusão mental).

O distanciamento físico decorrente das medidas de controle do contágio provoca mudanças de comportamento com a hiperestimulação de contatos virtuais, aumento do consumo de pornografia, "sexting" (envios de mensagens de teor erótico), bullying, tédio em jovens e solidão em idosos. Novas patologias emergem, como adição à internet e aos jogos, e outras se agravam, como transtornos alimentares, abuso de álcool e drogas e suicídio em adolescentes.

O SUS, por meio de Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que priorizam casos mais graves, não conseguirá dar conta dessa nova demanda. É preciso estimular outras formas de cuidado, com ampliação de serviços ambulatoriais especializados e disponibilização de técnicas psicoterápicas breves. A telemedicina para acompanhamento de casos e apoio psicoterápico deve ser adotada na atenção primária e na rede Caps. Técnicas de reabilitação psicossocial e cognitiva, com projetos de reinserção educacional e profissional, devem catalisar o desenvolvimento emocional e profissional do paciente. A promoção da saúde mental no sistema educacional, com participação ativa dos professores, será fundamental.

No futuro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o foco de um novo planejamento para a saúde mental precisa transpor os limites da assim chamada reforma psiquiátrica. Uma concertação no sistema deve olhar para a saúde mental dos grupos vulnerabilizados, povos originários, discriminados raciais, minorias identitárias e refugiados. A qualidade-equidade dos serviços hospitalares será garantida. Os direitos de cidadania do sujeito que sofre devem pautar a assistência psiquiátrica, mediante mecanismos de controle social e vigilância em saúde.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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