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Philip Yang e André Leirner

Democracias na encruzilhada e o papel do Brasil

Nova filosofia pode estabelecer equilíbrio entre Estado, mercado e sociedade

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Philip Yang

Fundador do Instituto Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole) e senior fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais)

André Leirner

Consultor sênior em tecnologia para governos e membro fundador da Rede Brasileira de Conselhos

Democracias encontram-se em crise, e governos e sociedades mundo afora parecem reagir de três formas diferentes.

Alguns países adotam soluções iliberais. Nesses lugares, a baixa confiança de suas populações pelas instituições nutre um sentimento antipolítico, o que permite que lideranças eleitas democraticamente, com apoio popular, passem a minar o funcionamento dessas mesmas instituições de modo a capturar o seu funcionamento. Hungria, Polônia e Turquia são exemplos desse percurso. Testemunhamos o mesmo também no Brasil quando, por exemplo, recentemente se propôs um aumento no número de magistrados do Supremo Tribunal Federal. Outros casos brasileiros recentes, e também da gestão Donald Trump (EUA), seguiram esse padrão.

O segundo tipo de reação à crise das democracias é a concentração de poder autocrático. Nesses casos, tradições distintas de cultura local confrontam tradições políticas democráticas ocidentais. Sem juízo de valor, países como China, Irã ou Rússia apresentam regimes de governo em que o poder de um líder ou partido é concentrado. Na realidade, não se trata de uma "resposta" a uma crise atual, mas de posicionamento baseado em tradições centenárias —confucionismo, teocracia islâmica e absolutismo monárquico— que impedem o estabelecimento de Estados democráticos de Direito.

A terceira forma de reação à crise das democracias aponta para mais democracia, não menos. Parece não haver alternativa a não ser esta para países de tradição democrática. No entanto, tal reação mundo afora tem sido insuficiente. Democracias seguem paralisadas diante da ameaça permanente de avanços iliberais e autocráticos. Agendas de partidos políticos há tempos deixaram de refletir interesses da sociedade. Forças de mercado seguem inoculando a política com interesses particularistas, característicos da economia capitalista do século 20. Pior: avanços tecnológicos seguem gerando incertezas e agravando a desconfiança da população em relação à capacidade das democracias de oferecerem uma perspectiva futura de bem-estar.

O momento parece demandar uma nova filosofia política capaz de estabelecer o equilíbrio entre Estado, mercado e sociedade. Enquanto uma nova fórmula de organização social não emerge, o único caminho da ação possível é o da transformação incremental dos meios de promoção democrática.

Novas tecnologias oferecem um caminho promissor para isso. Internet das coisas, inteligência artificial, blockchain e computacão em nuvem já revolucionam a relação entre consumidores e empresas e, de modo semelhante, podem revolucionar a relação entre os cidadãos e o Estado. Ferramentas digitais já possibilitam uma participação granular ativa de consumidores no desenho de produtos e serviços em atendimento a nichos específicos —e, novamente, nada impede que os mesmos recursos sejam empregados de modo que projetos e a gestão públicos estejam mais afinados com as demandas da sociedade.

Mecanismos de monitoramento e controle, potencializados por algoritmos, já tornam melhores e mais transparentes processos de gestão. Nada impede que sejam empregados para a obtenção de excelência na qualidade do gasto público.

Em suma, a partir das tecnologias hoje é possível radicalizar o funcionamento do Estado democrático e, quem sabe, da própria democracia. Contudo, para que isso seja possível, o emprego tecnológico deve ter como objetivo o ganho de bem-estar social e não primordialmente o lucro dos envolvidos.

Lamentavelmente, no mundo da política, as aplicações do mundo digital têm sido empregadas para fins distópicos. Mas isso pode mudar. O Brasil é a maior democracia do hemisfério Sul e o país originador de diversos conceitos de inovação democrática. Basta seguir esse caminho. É nossa história. Não precisamos esperar que outros países o façam. É responsabilidade do futuro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazer com que o Brasil assuma papel de vértice da transformação democrática no mundo.

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