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Taís Gasparian

Contra a corrupção, mais informação

Divulgação livre de notícias críticas é modo mais eficaz de combater ilicitudes

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Taís Gasparian

Advogada, é sócia do escritório RBMDFG - Advogados e cofundadora do Instituto Tornavoz

Nesta sexta-feira (9) é celebrado o Dia Internacional contra a Corrupção. A data foi escolhida pela Assembleia Geral das Nações Unidas de 2003 para sensibilizar os povos para a necessidade dramática de prevenir e combater esse mal que atinge muitos países e desvia recursos públicos escassos para fins escusos.

Nessa hora, é imprescindível que nos lembremos dos profissionais da imprensa, da informação e da comunicação —que têm um papel insubstituível para desmascarar corruptos e práticas ilícitas.

Infelizmente, o trabalho desses profissionais não é bem compreendido por grandes setores da população. Parece inacreditável, mas muitas vezes pessoas ou grupos se dedicam a agredir repórteres sem se dar conta de que, sem eles, não conheceríamos os desmandos e viveríamos no obscurantismo.

Imagem de câmera de segurança mostra momento em que um homem dispara contra a sede do site Rondoniaovivo, em Porto Velho - Reprodução

Agora mesmo no Brasil, durante o período eleitoral e depois dele, o grau de violência contra jornalistas é assustador. A organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) constatou mais de 3 milhões de ataques e postagens ofensivas durante 75 dias da campanha eleitoral, o que dá uma média de 1.600 ataques por hora. Isso sem contar as agressões físicas, como os tiros desferidos contra a sede do site Rondoniaovivo em 12 de novembro. Os agressores, sem perceberem que o modo mais eficaz de combate à corrupção se dá pela divulgação livre de notícias críticas, agem como ignorantes.

Em 2021, quase 70% das violações à liberdade de imprensa foram cometidas por agentes estatais, segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Políticos, empresários e funcionários corruptos abominam a revelação dos descalabros que cometem, e por essa razão tentam silenciar os profissionais da comunicação. A estratégia de ataque mais em moda no mundo todo é o assédio judicial —que, na Europa e nos EUA, é chamado pela sigla SLAPP ("Strategic Lawsuit Against Public Participation"). Não por acaso, "slap" em inglês significa "bofetada". Por meio do assédio judicial, agentes poderosos movem processos judiciais contra comunicadores não para buscar justiça, mas como um artifício para inibir as vozes independentes.

Não é só isso. A criminalização da calúnia, injúria e difamação entra aí como um facilitador para os assediadores. Esses delitos deveriam ficar fora do Código Penal. Ninguém deveria ir para a cadeia por uma ofensa. Esses comportamentos, hoje criminalizados, deveriam sair do Código Penal e serem objeto de responsabilização civil tão somente, como o pagamento de indenização. A proteção da reputação de uma pessoa pode ser um propósito legítimo, mas há que se ter um equilíbrio entre esse objetivo e a defesa da liberdade de expressão.

Tudo isso dá sentido político profundo ao estudo que a Unesco publica, justamente nesta sexta (9), sobre o mau uso do sistema judicial para atacar a liberdade de expressão. Em 2022, a Comissão Europeia propôs uma nova diretiva anti-SLAPP (contra o assédio judicial), que inclui um mecanismo para arquivamento imediato de processos infundados. Além do arquivamento, a proposta prevê multa pesada para o reclamante de má-fé e dá ao réu a possibilidade de obter indenização integral pelos danos sofridos.

O Brasil precisa caminhar na mesma direção —e rápido. Eis aí uma boa causa a ser encampada pelo futuro governo federal.

O estudo da Unesco mostra também que a América Latina tem estado à frente da descriminalização dos delitos contra a honra e ainda dos delitos de desacato (ofensa ao funcionário público). Nos últimos dez anos, 12 países da região aboliram esses crimes quando estão envolvidas questões de interesse público. O Brasil está atrasado.

Há um esforço global para a descriminalização do desacato, da calúnia, da injúria e da difamação, pois a restrição da liberdade representa uma violência do Estado contra o ser humano, uma violência muito maior do que o mal que se pretende evitar. De acordo com o direito internacional, na área da liberdade de expressão, apenas a incitação ao ódio e a propaganda de guerra poderiam ser objeto de sanções penais.

É antidemocrático que jornalistas e comunicadores possam ser levados à prisão por exercerem sua profissão. Não é a notícia da corrupção que desonra uma pessoa, mas o ato de corromper.

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