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Luciana Seabra

Fundos de crédito e um problema de memória curta

Produtos com prazo breve de resgate são seguros até um momento de estresse

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Luciana Seabra

Analista independente de fundos e Previdência

Faz menos de três anos que os fundos de crédito brasileiros passaram por um estresse nunca antes visto por essas terras. Quem estava acostumado à ausência total de volatilidade nesse tipo de produto foi surpreendido no primeiro semestre de 2020 com retornos negativos por meses consecutivos.

O balanço ficou marcado nos gráficos de toda a indústria, mas, ao que parece, não na memória de gestores, distribuidores e investidores.

Sempre bom lembrar que investir em crédito é emprestar dinheiro para bancos, empresas ou pessoas físicas. O que aconteceu em 2020, entretanto, na esteira da disseminação da pandemia, não foi um calote generalizado. O que houve foram pedidos de resgate em massa dos fundos —por uma necessidade de uso de curto prazo— e um mercado despreparado para lidar com eles.

O problema começa na oferta errada de fundos de crédito privado. Grande parte desses produtos pagam resgate em menos de cinco dias, sendo que investem em ativos que nem sempre podem ser vendidos em tão pouco tempo sem prejuízo, já que têm vencimento mais longo.

Quem investe acaba usando esse tipo de produto como caixa, um dinheiro que pode ser resgatado a qualquer momento. Parece seguro até que um estresse, como o trazido pela Covid, leva a pedidos de resgate em massa. É como se alguém gritasse incêndio e a porta de saída fosse pequena.

Se um grande número de produtores de tomate decidirem se livrar de seu estoque às pressas, o preço vai despencar, certo? Se um grande número de gestores tiver que vender seus ativos de crédito juntos às pressas, o que vai acontecer? O preço dos títulos vai despencar. Foi o que aconteceu. Resultado: prejuízo em fundos que entregavam retorno positivo como reloginhos.

Todo o mercado foi obrigado a marcar os preços mais baixos dos ativos em carteira, mesmo quem não vendeu. Isso significa que o fenômeno registrou no gráfico comportado da indústria inteira uma forte queda em 2020. Nem todos os fundos transferiram a perda aos cotistas, entretanto. Isso porque alguns tinham prazo de resgate mais longo, de mais de 30 dias.

Além de serem menos usados como caixa, dado que não disponibilizam o dinheiro em poucos dias, como tinham mais tempo para honrar com resgates esses fundos, não precisaram vender às pressas ativos a preço de banana. Pelo contrário: alguns conseguiram entrar comprando na hora da xepa. E, assim, entregaram retornos mais gordos aos clientes nos meses que se seguiram, fechando o ano com bons ganhos.

Os produtos com prazo de resgate curto, que chegaram a ter 54% do patrimônio dos fundos de crédito de gestores independentes antes de 2020, caíram a 38% naquele ano, segundo um levantamento da gestora JGP.

Poderíamos pensar que eles nunca mais se recuperariam em termos de patrimônio, com um melhor entendimento de clientes, gestores e distribuidores de que fundo de crédito precisa de um prazo de resgate maior para lidar com momentos de estresse sem que clientes amarguem um prejuízo definitivo.

Pois bem: segundo a JGP, os produtos de liquidez curta já voltaram à marca de 50% do patrimônio dos fundos de crédito de gestores independentes. Nessa amostra, a JGP considera 174 fundos abertos e não exclusivos dedicados a crédito privado de gestoras não ligadas a bancos.

A responsabilidade de resolver o problema, que o jargão chama de "descasamento entre ativo e passivo", é dos gestores e dos distribuidores, claro. Fundos de crédito deveriam ter prazo de resgate mais longo. Já que eles não se mexeram, entretanto, cabe a investidores fazer isso.

Minha recomendação é evitar os fundos de crédito de prazo de resgate tão curto. Os melhores gestores definem períodos de cotização mais longos. Procure por D+30, D+45 ou até mais do que isso. Já ouvi gestores dizerem que não o fazem, apesar de ser mais seguro para clientes, porque fica mais difícil vender o produto menos líquido —o que é uma justificativa no mínimo bastante irresponsável.

Para a reserva de emergência, aquele dinheiro que você pode precisar a qualquer momento, dê preferência aos títulos públicos pós-fixados, do tipo Tesouro Selic, investidos diretamente ou via fundos. Deixe os fundos de crédito para um dinheiro com horizonte um pouco maior, de preferência de mais de seis meses.
Gestores e distribuidores com memória curta demandam investidores ligados.

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