Em 2017 estive nestas mesmas páginas defendendo a privatização da Eletrobras. À época, o então ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) apontava que o alto endividamento limitava a capacidade de investir da empresa. As consequências da medida provisória 579/2012 e o direcionamento excessivamente político erodiam seu valor. Concordava com sua visão e hoje, depois da privatização, renovo minha confiança na decisão e rejeito clamores por sua revisão.
O caminho não foi fácil. O processo, demorado, passou por intenso escrutínio da sociedade e dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU). Ao fim, a arrecadação foi de R$ 67,6 bilhões
—(muito) mais do que a previsão inicial, de R$ 20 bilhões. A capitalização reverteu a destruição de valor.
Mesmo vendida, o Estado permaneceu com direitos especiais, como ações de classe "golden share" e cláusulas de tipo "poison pills", adotadas para mitigar riscos de concentração de mercado. Princípios de boa governança estão garantidos por cláusulas para proteger direitos de acionistas minoritários e resguardar a continuidade do modelo adotado e da democratização de seu capital social. Virava-se a página da subótima administração, com proteção de direitos de todos os stakeholders [partes interessadas].
A lei aprovada para permitir a desestatização foi criticada por estabelecer compromissos de aplicação de recursos. Alguns meritórios, como revitalização de bacias hidrográficas, redução de custos de geração de energia na Amazônia Legal —onde a produção de eletricidade ainda usa muito os combustíveis fósseis— e investimentos em hidrovias. Há outros questionáveis, como as redes de gás natural a serem implantadas em regiões onde o mercado não justifica o investimento. Mas não dá para confundir destinação da renda —uma decisão do Congresso— com ganhos de eficiência da operação sob controle privado.
Outra crítica é que os ativos da Eletrobras são estratégicos para o país e deveriam permanecer sob controle estatal. Mas isso ocorreu. No modelo escolhido, uma reestruturação societária manteve a Eletronuclear e a Itaipu Binacional sob o controle direto ou indireto da União, por meio da recém-criada ENBPar.
Mesmo privatizadas, companhias ainda podem gerar valor para a sociedade. A Engie, ex-Gerasul, subsidiária da Eletrobras privatizada em 1998, investiu e se expandiu. Hoje, gera mais de 8.000 MW. Em 20 anos, aumentou de 5% para 70% do valor de mercado da Eletrobras. Em vez da atuação direta nos negócios, o Estado exerce a regulação setorial, ambiental, do mercado de capital etc. e colhe os benefícios do seu crescimento.
Seria um enorme retrocesso rever a desestatização da companhia, com grande prejuízo à segurança jurídica. Drenaria recursos para transformar a empresa em nova presa para o oportunismo político.
Capitalizada e bem gerida, ela tem mais agilidade para contratar recursos para crescer (inclusive humanos), reestruturar dívidas e reduzir seu custo de capital. Combinada com boa regulação e governança, a gestão privada apresenta melhor desempenho. Hora de reforçar —e não atacar— o modelo de agências reguladoras independentes.
Permaneço fiel ao que falei há cinco anos. O controle privado da Eletrobras continua sendo a melhor forma de conferir agilidade para a companhia produzir riquezas de modo sustentável, aqui e em outros mercados, com enormes ganhos para a sociedade. A privatização não deve ser revista. Em termos de participação estatal, neste caso, menos é mais.
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