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Guilherme Carvalho

O dia em que Gabo descobriu o Instagram

Realismo mágico jamais abraçaria o endosso que a rede social, sem qualquer contraposição, insinua

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Guilherme Carvalho

Advogado, escritor e professor universitário

Entre tantos e quantos horizontes, a romântica e pitoresca cidade de Aracataca condescendeu narrativa à inigualável e fascinante criatividade do escritor colombiano Gabriel García Marquez, merecedor do Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982. O cenário das terras caribenhas verteu-se no pano de fundo para o raconto fabuloso e prosaico ao que Gabo se filiou ao longo de sua carreira como escritor.

García Marquez, incomparavelmente raro, inédito e sem-par, fomentou, na bibliografia mundial, principalmente aos que se dedicam à leitura não formal ou puramente científica, o realismo mágico, corrente artística e literária da primeira metade do século 20 em que os elementos da realidade, da utopia e do sonho se misturam, sendo considerada uma resposta latino-americana ao fantasioso rebuscamento europeu.

Contemplando um tom de mistério no decurso do enredo, invariavelmente aferrado em sucedidos que não podem ser explicados pela razão, a linguagem metafórica e alegórica do autor por vezes provoca um estranhamento nos leitores. O literato colombiano ousou ser tropológico!

Por mais romanesco e sedutor, supostamente abstraído e espaçado do mundo real, Gabo jamais haveria escrito seus romances se não houvesse testificado, a lume —centelhado com cheiro e cor—, as chamativas e airosas paisagens flamejadas ao longo de sua vida.

Absorto das sinuosidades que à história se impõe, Gabo viveu, com fidedigna autenticidade, uma realidade concreta e palpável, cujos espetáculos lhes foram —com encanto— transmitidos para que pudesse estampar, a eito e sem interrupção, nos manuscritos de seus livros tudo aquilo que teve oportunidade de apreciar.

A transcrição dos romances, sempre com base em narrativas reais e sensíveis, somente teve espaço porque García Marquez tinha em mãos um verdadeiro e autêntico acervo de episódios, os quais beneficiaram a formação de seus portentosos lampejos.

Gabo não teve a chance de vivenciar o Instagram, rede transversalmente digital de compartilhamento de fotos e vídeos, consente com mudanças de todo gosto e volição, as quais, todavia, o mundo tangível nem sempre tolera, tampouco acata ou abona.

Fatidicamente, o realismo mágico de García Marquez jamais abraçaria o endosso que o Instagram, sem qualquer contraposição, insinua. Bem se sabe que tal realidade computacional, quiçá aparente e amiúde disfarçada, pode até revelar o autêntico cotidiano. Mas não, precisamente por mascarável, amparada por ilusões e ludíbrios, mais propício descortinar um ou outro cenário, a depender, invariavelmente, do gosto do usuário.

Sem Instagram, García Marquez pôde transcrever, em versos e prosas —relembrando a infância—, a magia das "abejas amarillas" que se sobrepunham às poças de águas das chuvas nas ruas de areias claras e brilhantes que passeavam pela burlesca Aracataca.

Ilusoriamente, e na presunção de ser admissível vestir o realismo fantástico e maravilhoso estimulado pelo que o talentoso colombiano nos presenteou, se, no presente, apresentado ao Instagram, certamente Gabo diria: "Transfigure o digital – a vida é poesia".

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