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Víctor Gabriel Rodríguez

Por um Ministério Anticorrupção

Governo deveria ofertar alternativas à chamada 'garantia de não repetição'

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Víctor Gabriel Rodríguez

Professor livre-docente de direito penal da USP, pesquisa corrupção e é autor de “Delação Premiada: Limites Éticos ao Estado” (ed. Forense)

Os votos da última eleição presidencial, após os escândalos que envolveram o PT, teriam de ser entendidos como condicionados a mudanças efetivas no modelo ético do partido vencedor. Até o momento, não apenas elas não são visíveis: a negociação de cargos e a catalisada composição para as lideranças do Parlamento indiciam que o modus operandi segue idêntico ao das gestões passadas.

Entretanto, a experiência jurídica e os estudos teóricos criaram estratégias para, ao menos, evitar futura impunidade a graves desvios de conduta. A criação de um Ministério Anticorrupção, desde que observadas rigorosas pautas, seria uma eficaz aplicação dessas estratégias, com funcionalidade operante nas esferas política e jurídica.

Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília - Wesley Amaral/Câmara dos Deputados

Na esfera política, o titular da pasta abriria um diálogo direto com o Congresso, a aproximar os Poderes e, o melhor, incrementar o controle pela opinião pública. Muito mais ágil do que uma CPI, o ministro se obrigaria a comparecimentos periódicos ao plenário, a fim de ouvir possíveis denúncias, sugestões e, claro, reportar providências. Algo já usual em regimes parlamentaristas —com a presença física do próprio chefe do Executivo—, aqui seria restrito a esse ministro de Estado. Respeitada sua área de atuação, tal diálogo compulsório não engessaria o Executivo: como delito, a corrupção deixa de ser opção de governo.

No outro polo, tampouco se invadiriam competências do chamado "enforcement" estatal: seria tarefa do Ministro Anticorrupção rogar pela atuação das controladorias, Tribunais de Contas, Judiciário, Ministério Público e polícias.

Mas o viés mais importante da pasta é jurídico, porque evita que chefes de governo fujam à responsabilidade penal. Afinal, o diálogo do ministro com o Congresso traz seu vetor reverso: comunicar, em reunião pessoal com o presidente da República, eventuais irregularidades noticiadas no encontro com os atores sociais. Ou, ao não o fazer, motivar sua omissão na seguinte entrevista parlamentar, com consequências em possível matéria de imputação.

Essa simples medida desmantelaria a arquitetura da chamada "willful blindness", a cegueira deliberada do chefe acerca dos atos subalternos, enunciada no julgamento do mensalão. Em termos mais técnicos, o ministro transforma a relação normativa com a corrupção (obrigação de evitá-la) em relação psicológica (conhecimento efetivo de eventual fato criminoso).

Decorrência direta é que o referido ministro, caso se furte a atuar, coloca-se como responsável imediato pelo ato corrupto reportado, o que impediria um funcionamento apenas nominal de sua pasta. Assim, em meio aos já 37 ministérios, este seguramente não seria instrumento para agregar aliados ou alardear metas de campanha.

Superado um escândalo de corrupção que abalou pilares políticos da América Latina, o atual governo deveria ofertar alternativas para o que os juristas hoje denominamos "garantia de não repetição". Tal ministério é uma opção solvente.

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