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José Eli da Veiga

Inquietante mancada

Governo Lula parece menosprezar compromissos da Agenda 2030

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José Eli da Veiga

Professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), é autor de "O Antropoceno e as Humanidades" (Editora 34); mantém o site www.zeeli.pro.br

É dos mais favoráveis o balanço dos 100 primeiros dias deste governo. O que já foi feito, somado ao que parece já estar "contratado", aponta para a alta probabilidade de superação: não só da ruína dos últimos quatro anos, mas de boa parte dos infortúnios acumulados desde a catastrófica eleição de 2010.

O país tende a adotar razoável regime fiscal e a excelente equipe do Ministério da Fazenda pode ter muito êxito em abolir isenções tributárias para aumentar a arrecadação federal, sem molestar as camadas médias da população e o empresariado responsável.

O que pode comprometer tão auspicioso futuro é torcida por grave crise econômica dos mais frustrados com o resultado eleitoral de 2022. Bandeira já explicitada pela candidatura do PDT à prefeitura paulistana, que também está sendo indiretamente hasteada por desvarios lindberghianos.

Em tal contexto, torna-se ainda mais inquietante a mancada do relatório final do Gabinete de Transição, ao solenemente ignorar a dita "agenda vinte-trinta", apelido das 48 páginas da declaração "Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável".

Ela orienta a construção de uma sociedade pacífica, justa e inclusiva, baseada no respeito a todos os direitos humanos, inclusive o direito ao desenvolvimento sustentável. O que exige boa governança em todos os níveis, instituições transparentes, eficazes e responsáveis, além de efetivo Estado de Direito.

Os 37 ministros deveriam ter sido orientados a estudar a íntegra de tal documento para que, após discussões com seus colaboradores, cada um apontasse quais seriam os alvos escolhidos para fazer com que o Brasil voltasse a avançar na direção de alguns de seus 17 objetivos.

Se isso tivesse ocorrido, estariam liminarmente fora de cogitação as piores propostas já anunciadas. Em especial, a de se detonar a foz do Amazonas para explorar a "bacia petrolífera da bacia equatorial" e a de se intensificar, ainda mais, a erosão da biodiversidade, relançando obras de rodovias como BR-319, BR-135, BR-158 e BR-242, além de rebatizar o Ferrogão de "túnel verde".

Mesmo assim, há quem acredite que o ideal de "transversalidade" tenha sido finalmente assumido. Porém, o palavrão será burlesco se o Brasil não colocar em prática o compromisso formalizado, em setembro de 2015, na Assembleia Geral da ONU, com a virtuosa "agenda vinte-trinta".

Foz do rio Amazonas, no litoral do estado do Amapá - Ricardo Moraes - 31.mar.2017/Reuters

Durante o inédito e promissor processo de elaboração de tão ambicioso projeto, a infeliz diplomacia brasileira tentou liderar um racha, vexame só mencionado pela BBC, em 27 de junho de 2014. Também é bom lembrar que a agenda emergiu justamente no início do alvoroço que gerou o impeachment.

Apesar de tão nocivas circunstâncias, o IBGE e o Ipea, apoiados principalmente pelas 67 ONGs do GTSCA2030 ("Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030"), mantiveram o monitoramento das metas previstas em seu parágrafo 59 —como demonstra o sexto "Relatório Luz", referente a 2022.

E a melhor notícia é que a agenda poderá ser turbinada, no início de maio, com o primeiro encontro do "Conselhão", apelido do CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável). Afinal, uma de suas cinco principais funções não é discutir um projeto de longo prazo para a nação?

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