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Phelippe Toledo Pires de Oliveira

O déjà-vu da reforma tributária

Ainda há muitas questões a alinhar e a necessidade de vencer a resistência de setores e entes federados

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Phelippe Toledo Pires de Oliveira

Procurador da Fazenda Nacional, é mestre e doutor em direito tributário (USP) e professor do Ibmec-Brasília

A discussão sobre a reforma tributária não é nova. Discute-se o assunto há décadas no nosso país. A necessidade de reforma decorre do desenho caótico do sistema tributário brasileiro onde existem múltiplos tributos sobre o consumo, cada qual com peculiaridades específicas, o que torna o sistema disfuncional. Mas todas as tentativas de reforma até então fracassaram.

Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), reascenderam-se as esperanças de aprovação de uma reforma tributária, com a apresentação da PEC 45/2019, na Câmara, e da PEC 110/2019, no Senado. Ainda que o escopo delas seja ligeiramente diferente, ambas propõem fusionar os tributos sobre o consumo. Seguiu-se, então, uma a disputa de protagonismo entre as Casas legislativas.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em encontro com prefeitos em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Para contemporizar a situação, no início de 2020, foi criada uma comissão mista formada por deputados e senadores. O objetivo era tentar chegar a um texto consensual que facilitasse a aprovação nas respectivas Casas legislativas. No entanto, pouco mais de um ano depois de sua criação e após ser prorrogada uma vez, a comissão foi dissolvida pelo presidente da Câmara.

A despeito de alguns atores políticos prometerem que as propostas de reforma poderiam ser votadas ainda no governo Bolsonaro, o que se viu foi que o assunto foi pouco a pouco perdendo espaço para as eleições de 2022. Mas essa não foi a única razão pela qual as propostas de reforma não foram adiante.

Um dos fatores que dificultou o avanço das propostas é a multiplicidade e contrariedade dos interesses envolvidos. Existe uma forte resistência de alguns setores e entes políticos. O setor de serviços, por exemplo, alega que as propostas acarretam um aumento da sua carga tributária. As principais capitais, a seu turno, não querem perder o ISS com sua fusão no novo IBS.

No final do ano passado, houve a apresentação de mais uma PEC. Trata-se da PEC 46/2022. Essa PEC, defendida pelas principais capitais, ficou conhecida como PEC do "Simplifica Já" por não propor a fusão, mas apenas o aperfeiçoamento dos tributos sobre o consumo existentes. Apresentada no final de 2022, trouxe mais um complicador nas discussões sobre a reforma.

O governo Lula iniciou-se com uma certa euforia em torno da tão almejada reforma tributária. Enquanto ainda candidato, Lula defendeu em seu programa de governo uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, com a simplificação e a redução da tributação sobre o consumo. Mas não deu indicativo de qual proposta apoiaria nem como faria para destravar a discussão.

Tão logo eleito, o atual governo anunciou a criação de uma Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária no âmbito do Ministério da Fazenda e a nomeação de Bernard Appy à frente da pasta. Tais medidas renovaram os ânimos dos defensores da reforma. Appy conhece bem a discussão e os gargalos que impediram a aprovação das propostas de reforma tributária até o momento.

No entanto, aos poucos, começaram a reaparecer os problemas. Em evento ocorrido em fevereiro deste ano, Bernard Appy teria dito que o ISS era um imposto do passado. No dia seguinte, o prefeito Eduardo Paes (PSD), do Rio de Janeiro, postou nas redes sociais que não havia nada pior no mundo do que técnico autoritário. O quizomba estava formado.

Na Câmara, a estratégia é semelhante àquela do início do governo Bolsonaro. Após a eleição da presidência da Casa e dos membros de suas comissões, foi formado, em meados de fevereiro, um grupo de trabalho para analisar o sistema tributário nacional. O grupo tem o prazo curto, de 90 dias, para concluir os trabalhos, mas esse limite pode ser prorrogado.

O grupo de trabalho tem a prerrogativa de realizar audiências públicas, bem como ouvir juristas e autoridades. Entre as autoridades já ouvidas pelo grupo está o presidente da Confederação Nacional dos Serviços, que voltou a destacar os riscos de aumento para o setor. Espera-se que várias outras autoridades e especialistas sejam ouvidos nas próximas semanas.

O líder do governo na Câmara recentemente afirmou esperar que a reforma seja votada na Casa ainda no primeiro semestre de 2023. Talvez isso não seja possível, em vista das várias incertezas que permeiam o assunto. No entanto, mesmo que aprovada, a reforma precisará ainda passar pelo Senado, correndo o risco de o assunto perder espaço para as eleições de 2024.

Enfim, a discussão sobre a reforma tributária encontra-se hoje muito mais madura do que há alguns anos, caminhando-se para um IBS dual. Mas uma série de questões ainda precisam ser debatidas e alinhadas para vencer a resistência de alguns setores e entes federados. A despeito dos avanços, não há como negar um ar de déjà-vu nas discussões sobre a reforma tributária.

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