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Alberto Zacharias Toron e Marco Aurélio de Carvalho

Juiz das garantias é o melhor instrumento para a imparcialidade

Trata-se de criar subsídios para uma justiça mais célere, racional e segura

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Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista e doutor em direito penal (USP), é professor de processo penal (Faap), conselheiro federal da OAB e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Marco Aurélio de Carvalho

Advogado especializado em direito público, é sócio fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, membro do Sindicato dos Advogados de São Paulo e coordenador do Grupo Prerrogativas

Devemos à firmeza de propósitos da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, e ao seu compromisso com uma Justiça criminal mais eficiente, racional e, ao mesmo tempo, protetora de direitos e garantias individuais, a colocação em julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade que impugnavam o juiz das garantias.

É bom lembrar que, por conta de uma liminar concedida individualmente pelo ministro Luiz Fux, em janeiro de 2020, sua implementação foi suspensa em todo o país. Só agora, passados mais de três anos, com uma inexplicável demora, é que o tema volta à baila para ser discutido pelo plenário do Supremo. Com uma perda de tempo enorme, injustificável e desnecessária para o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal brasileiro, o STF, agora, poderá finalmente liberar a implementação do modelo.

Sede do Supremo Tribunal Federa com a estátua da Justiça - Gervásio Baptista/STF


A essência do juiz das garantias está na separação do juiz que atua na fase do inquérito daquele outro que atuará na fase de julgamento. Essa experiência já vigora há quase 40 anos na capital de São Paulo com a instituição do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo). A Justiça paulista, desde 1984, separou o juiz que na fase do inquérito autoriza escutas telefônicas, buscas e apreensões, além de prisões temporárias e/ou preventivas, do que vai julgar o mérito da ação penal para absolver ou condenar. O provimento que o instituiu tinha os olhos postos numa divisão de trabalho que buscava permitir o "melhor acompanhamento dos inquéritos policiais em geral" e, também, a apreciação centralizada dos habeas corpus contra ilegalidades praticadas na polícia.

A experiência foi tão exitosa que encontra similares, como nos estados do Amazonas, Goiás, Minas Gerais, Pará e Piauí. Não se instaurou, como chegaram a afirmar os falsos profetas, a impunidade e, muito ao contrário, juízes especializados no trato com inquéritos policiais e com a polícia deram maior dinamismo às investigações. Ainda que possa parecer paradoxal, garantiram ao cidadão algo crucial: que o juiz que julgará a eventual ação penal não estará comprometido com a prova produzida na fase do inquérito.

Criam-se condições para uma atuação marcada pela imparcialidade. Afinal, se o juiz foi ativo na produção de provas na fase do inquérito, está, ou poderia estar, contaminado para julgar. O modelo que temos hoje tem ensejado abusos e equívocos, como se viu na Lava Jato com a atuação constrangedoramente parcial a serviço de interesses políticos e eleitorais.


Juiz das garantias, ou das cautelares, ou dos inquéritos policiais, ou da central de inquéritos quer dizer a mesma coisa: justiça mais célere, racional, segura e que permite a consecução de um processo mais justo, com um juiz mais equidistante que o atual partícipe de um modelo que que certamente pode comprometer significativamente a credibilidade do nosso sistema de justiça.

É uma questão secundária, diante da premência da atuação imparcial do juiz criminal, saber se o juiz das garantias será o que irá receber a denúncia ou se isso caberá efetivamente a quem vai cuidar da ação penal.

Também não pode afastar a sua instituição o fato de muitas comarcas terem apenas um único juiz. Hoje, com o processo eletrônico, é perfeitamente possível que juízes de uma circunscrição façam às vezes de juízes das garantias em outras comarcas e vice-versa.


No mais, trabalhos do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Justiça revelaram que o custo para a implementação do juiz das garantias é próximo de zero, pois se trata de uma mera divisão de trabalho.

Por fim, países como Chile, Paraguai e Colômbia, para ficarmos na América Latina, já instituíram juízes das garantias. O Brasil, para nossa imensa vergonha, foi o último país a abolir a escravidão na América e um dos últimos a criar universidades, institutos técnicos e afins. Não sejamos, pois, os últimos a criar mecanismos verdadeiramente eficientes para o aperfeiçoamento do nosso sistema de justiça.

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