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Maurício Canêdo Pinheiro e Leonel Cesarino Pessoa

Alíquota única favorece os mais pobres

Taxa diferenciada pode fazer ganho de ricos superar o dos mais pobres

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Leonel Cesarino Pessôa

Doutor em direito pela USP e professor da FGV Direito SP

Maurício Canêdo Pinheiro

Professor da FCE/Uerj

O relatório do grupo de trabalho da reforma tributária foi apresentado no dia 6 de junho. Nos termos do relatório, a proposta de adoção de uma alíquota única foi questionada sobre a sua efetividade em tornar a tributação do consumo menos regressiva. Nesse sentido, sugeriu-se que fossem adotadas alíquotas diferenciadas para bens e serviços específicos e que fosse avaliada a manutenção do tratamento diferenciado para os produtos da cesta básica. Mas a diferenciação para os produtos da cesta básica efetivamente protege os mais pobres?

Uma primeira condição para que a desoneração de algum bem tenha efeito distributivo é que o seu consumo represente uma parcela maior no orçamento dos mais pobres do que no dos mais ricos. Neste caso, em comparação com uma situação sem alíquota reduzida, os mais pobres pagariam proporcionalmente menos imposto que os mais ricos.

Produtos que compõem a cesta básica - Prefeitura de São Paulo

Essa condição, contudo, nem sempre é satisfeita. Na Europa, já há muitos anos, estudos têm mostrado como os padrões de consumo podem ser muito semelhantes e o efeito distributivo de uma tal medida poderia ser muito pequeno. Mas, mesmo que essa condição fosse satisfeita, outros problemas mostram como esse é um péssimo instrumento para fazer distribuição.

Em primeiro lugar, ainda que, em termos relativos, o gasto dos mais pobres com bens desonerados possa ser menor que o dos mais ricos, estes últimos também vão consumir produtos sujeitos a alíquotas reduzidas. Também haverá ganho para os mais ricos e esse ganho pode até mesmo ser, em termos absolutos, maior que o dos mais pobres.

Uma das razões para isso é que as versões de alto custo dos bens (consumidas só pelos mais ricos) também são atingidas pelas desonerações. O tratamento diferenciado para carne ou o peixe, por exemplo, não distingue entre seus diversos tipos: o filet mignon ou o salmão também têm suas alíquotas reduzidas.

Além disso, para que os consumidores possam se beneficiar de alguma redução, a alíquota menor teria que ser repassada ao preço cobrado do consumidor final. No entanto, a teoria e a evidência empírica internacional mostram que os repasses nem sempre são completos.

No caso brasileiro, nós analisamos o repasse de todas as alterações do ICMS ocorridas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia para uma cesta com 79 produtos alimentícios no período 1994-2021. E constatamos como, em média, cada ponto percentual de variação no ICMS gerou aproximadamente apenas 0,13% de variação nos preços.

Criar alíquotas diferenciadas faz aumentar também os custos de conformidade para as empresas e os custos da administração pública para fiscalizá-las. Além disso, torna o desenho da política tributária um terreno fértil para a pressão dos grupos de interesse. Como o contribuinte sempre procura encaixar o maior número de bens e serviços entre aqueles que têm tratamento diferenciado, faz surgir naturalmente um contencioso entre fisco e contribuinte sobre a classificação dos bens. A esse respeito, Pedro Ferreira e coautores mostraram como há sólidas evidências de que, no Brasil, os ganhos com a redução da dispersão das alíquotas no imposto sobre o consumo seriam significativos.

Por tudo isso, há instrumentos alternativos —como o programa Bolsa Família e a devolução personalizada, já instituída no Rio Grande do Sul— que, com os mesmos recursos, podem alcançar resultados muito melhores. Nesses casos, os recursos são focalizados exclusivamente nos mais pobres, que não ficam dependentes de um repasse, que pode ou não acontecer, para que sejam beneficiados.

Alíquota diferenciada para produtos da cesta básica soa, à primeira vista, como algo benéfico. Mas é solução de quem não olhou aspectos importantes da questão. A adoção de uma alíquota uniforme, associada a programas que atinjam exclusivamente os mais pobres poderia assegurar ganhos muito maiores em termos de transparência e distribuição.

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