A defesa de serviços públicos gratuitos costuma ser bandeira de grande apelo na política brasileira —em geral, sem levar em conta o proverbial ensinamento econômico de que a gratuidade é ilusória.
Como deveria ser claro, se um direito desse tipo é provido pelo Estado, os custos são compartilhados por toda a sociedade, na forma de impostos, de custos da dívida pública ou de sacrifícios em outras prioridades orçamentárias.
Tal arranjo claramente se justifica em casos como o da educação básica, fundamental na busca por oportunidades menos desiguais entre ricos e pobres, ou do sistema universal de saúde instituído pela Constituição. Em outros, corre-se o risco de aprofundar a concentração de renda ou de promover programas de má qualidade.
Um exemplo complexo é o da gratuidade no transporte coletivo, tema que há dez anos deu origem na cidade de São Paulo à onda nacional de manifestações populares que mudaram o panorama político do país. A pauta continua em debate, um tanto devido à efeméride, outro em razão da aproximação das eleições municipais.
Como noticia a Folha, até junho de 2013, somente dez cidades brasileiras adotavam o passe livre; hoje, são 74. A despeito do aumento, trata-se de número ainda inexpressivo num universo de 5.570 municípios —e não inclui metrópoles.
Na capital paulista, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) passou a flertar com a ideia, sem entretanto ter chegado até aqui a uma proposta concreta. Os subsídios pagos pela prefeitura para manter congelada a tarifa dos ônibus e propiciar gratuidades para parte dos usuários saltaram de R$ 3,4 bilhões, em 2021, para R$ 5,1 bilhões no ano passado.
É evidente que o enfrentamento dos problemas paulistanos de mobilidade urbana passa pelo incentivo ao transporte coletivo, o que também depende do sistema de metrô e trens a cargo do governo estadual.
Nesse sentido, os subsídios, que deveriam ser mais direcionados à parcela pobre da população, se justificam.
Quanto ao passe livre, no entanto, a passagem de um decênio ainda não resultou em estimativas encorajadoras de custos e benefícios.
Em São Paulo e no país, evita-se o debate mais urgente, porém politicamente espinhoso, do desincentivo ao carro particular, por razões ambientais ou de trânsito —o projeto de revisão do Plano Diretor da cidade e novos estímulos federais a automóveis vão na direção oposta.
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