Descrição de chapéu
Maria Alice Setubal (Neca)

Conselhão é espaço para debater desigualdades

Sem ação coordenada, poderemos chegar a um ponto de não retorno social

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Maria Alice Setubal (Neca)

Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal

Ao lado de outras lideranças brasileiras, sou parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) e iniciamos essa caminhada em um grande encontro. Recriado pelo governo federal, o novo Conselhão se apresenta como um espaço de diálogo entre poder público e sociedade. E, agora, inova ao incorporar, entre as 246 pessoas participantes, diversidade de raça, gênero e classe, além de uma alteração no próprio nome que atualiza as prioridades e conduz nosso trabalho: a inclusão de mais um "S" na sigla, de "sustentável".

Porém, para que a mudança não seja apenas burocrática, precisamos incorporar de fato a estratégia de enfrentar o que há de mais insustentável em nosso país: as desigualdades. São inúmeros os desafios, e as disparidades sociais no Brasil estão num patamar intolerável. Temos que agir de forma concreta, coerente e com compromisso de toda a sociedade.

- Sessão Inaugural do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS).Palácio Itamaraty, Brasília - DF.Foto: Ricardo Stuckert/PR
O presidente Lula (ao centro) e demais membros na sessão inaugural do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o Conselhão - Ricardo Stuckert/PR/Folhapress - Gov

As desigualdades se reproduzem de maneira silenciosa. Quando simplesmente fazemos as coisas como elas sempre foram feitas, sem prestar atenção nos processos e impactos que delas decorrem, favorecemos os brancos em detrimento dos negros. Concentramos recursos nas regiões mais desenvolvidas em detrimento dos territórios mais vulneráveis. Conduzimos mais homens em posições de poder do que mulheres. Reagir a isso, pensando em um novo modelo de desenvolvimento, não é fácil. As soluções não estão prontas. Exigem humildade, escuta atenta e construção coletiva. Por isso, é fundamental tirar as desigualdades desse silêncio e colocá-las no centro de um espaço plural e representativo como o Conselhão, que reflete as forças capazes de mudar a sociedade brasileira.

O nome do novo conselho reforça o que já deveríamos ter incorporado: o desenvolvimento de forma ampla e multissetorial —e que não tenha como fim resultados apenas econômicos. Precisamos ser mais produtivos, mas é possível fazê-lo de forma sustentável, numa economia de transição para baixo carbono e trazendo as pessoas para o centro do processo.

Se não planejadas e sem propósitos claros e de longo prazo, as políticas públicas, as decisões empresariais e até a filantropia podem reproduzir desigualdades. É por isso que acredito na integração entre capital filantrópico, estudos acadêmicos, ONGs e segmentos empresariais atuando de forma conjunta e em consonância, assim como vimos na reunião inaugural do Conselhão, em Brasília.

Vale especial atenção ao setor privado, que detém o poder econômico e, com ele, as condições necessárias para um pacto efetivo com a sociedade. Incorporar nas atividades produtivas a essência do que chamamos hoje de ESG é desenhar as políticas de forma estratégica para que contribuam com o combate às desigualdades. Na área da educação, por exemplo, as empresas podem apostar na contratação de jovens aprendizes. Companhias do ramo alimentício têm a oportunidade de melhorar a qualidade da merenda escolar; instituições financeiras, de abrirem formas de crédito acessíveis à população mais vulnerável; empresas da área da construção civil, de investirem em regiões periféricas e oferecerem moradias dignas e com modelos diversos. Modelos comprovadamente eficazes e sustentáveis já existem, e o Brasil tem as condições para incorporá-los. Mas é preciso arriscar e, especialmente, assumir o compromisso com o desenvolvimento de um país mais justo.

As desigualdades sociais não dizem respeito apenas aos mais pobres, aos governos ou às ONGs e fundações, mas à toda a sociedade. Adotamos a expressão "não retorno" quando nos referimos ao agravamento da crise climática. Se não agirmos de maneira coordenada, poderemos chegar a um ponto de não retorno social em que as pontas estarão tão distantes, e o tecido da nossa sociedade, tão esgarçado, que não haverá possibilidade de redirecionamento. Uma sociedade mais justa e menos desigual é aquela em que todos vivem melhor, com mais potencial de desenvolvimento, menos violência e mais humana.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.