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Ronaldo Laranjeira

Altruísmo patológico amplifica desordem social

Rua saudável impõe rigor na aplicação das leis

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Ronaldo Laranjeira

Médico, é professor titular de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e doutor pela Universidade de Londres

Nossas ruas estão doentes. O Brasil vive hoje com uma grande exposição de moradores sem teto, de pessoas que consomem drogas abertamente, a qualquer hora do dia e em qualquer lugar, de vulneráveis subjugados pelo crime organizado, de crianças exploradas por adultos, familiares ou não, usando-as como reféns para inspirar algum tipo de misericórdia que resulte em dinheiro. As ruas do Brasil, não há dúvida, estão doentes.

Infelizmente essa situação também ocorre em outros países. Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, encontramos cenário muito parecido ao que permeia a cracolândia de São Paulo. Michael Shellenberger, em seu livro "San Fransicko" (veja reportagem em https://youtu.be/IHXtHZpDvAo), enumera diversos fatores para essa proliferação de ruas e cidades doentes. Um dos pontos é o consenso errático de que as pessoas estão nas ruas unicamente por serem pobres. Há nas ruas um efetivo incontável de usuários de drogas e indivíduos com transtornos mentais. Nos EUA, mais de 70% das pessoas em situação de rua são usuárias de drogas.

Policiais dispersam usuários de crack na rua dos Gusmões, no centro de são Paulo -Danilo Verpa - 6.mai.23/Folhapress - Folhapress


Shellenberger coloca em reflexão a existência de um altruísmo patológico visando amplificar uma postura liberalista de tolerância com essas pessoas usuárias de drogas. A questão é que a sociedade não oferece solução para elas.

A Califórnia experimentou soluções, mas não foi bem-sucedida. Autoridades ofereceram moradia e investiram muito dinheiro. Obviamente, foi uma solução cara, cerca de US$ 750 mil cada casa, mas a mortalidade de quem conseguiu a residência foi igual à verificada entre quem ainda permanecia nas ruas.

E isso ocorreu exatamente por não ter sido oferecido um acompanhamento psiquiátrico e monitoramento sobre o consumo de drogas.

Outra comprovação do erro da política pública e omissão da sociedade em algumas localidades dos EUA é a tolerância ilimitada quanto às drogas, principalmente em San Francisco e Los Angeles. Isso desorganiza a percepção de pessoas em situação de rua e as estimula a consumir drogas. No Canadá, outro exemplo que não deu certo foi a permissão da montagem de tendas para quem vive nas ruas.

A somatória de erros associada à ausência de atendimento psiquiátrico adequado e de oferta de tratamento para que a pessoa deixe de consumir drogas resulta em uma tempestade perfeita. Na Califórnia, o número de mortes aumenta por causa do uso de drogas. São 150 mil óbitos a mais todos os anos.

Fato concreto é que países europeus e outras cidades norte-americanas e canadenses não seguem essa trilha desastrosa. O que deu certo nessas localidades foi a "enforcement law". Não se tolera o uso de drogas, e as leis são aplicadas com o rigor necessário.

No Brasil, temos que criar o conceito de ruas e cidades saudáveis para oferecer soluções. O primeiro passo é retirar das ruas crianças que são exploradas por adultos, familiares ou não, pessoas com os mais diferentes tipos de doenças físicas e mentais, idosos e mulheres grávidas.

Não é possível termos cidades saudáveis com essas pessoas largadas à desordem social da lógica da rua. E é preciso proibir as tendas nas cidades. O altruísmo patológico tolera essa ocupação de espaços públicos sem qualquer tipo de tratamento e oportunidade. É uma situação absolutamente primitiva que contamina o espaço urbano, enfraquece a situação de segurança e causa outros prejuízos à economia, como é o caso do comércio, já reportado por esta Folha.

Uma política de Estado se faz urgente. Dados sobre a cracolândia paulistana mostram que 30% estão lá há menos de 1 ano; outros 30% de 1 a 5 anos; e o restante está há mais tempo do que isso. Esse grupo precisa de urgente acompanhamento psiquiátrico. Não tem como alguém ter a mínima chance de reconstruir a vida a partir da rua.

Uma coisa é oferecer abrigos, mas eles serão sempre provisórios. É preciso fazer uma nova tipificação de abrigos para adequar cada caso ao acompanhamento necessário. Precisamos de uma política permanente e planejada, pois essa população em situação de rua se renova a cada dia e pode até mesmo aumentar se o poder público se engajar ao altruísmo patológico.

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