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Anatomia da deflação

IPCA ainda não tranquiliza; surto vai sendo superado graças a balizas econômicas

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Pesquisadora da FGV coleta preços em supermercado para cálculo da inflação, em São Paulo (SP) - Zanone Fraissat - 9.jun.22/Folhapress

A confirmação de que houve deflação para os consumidores no mês de junho excitou, previsivelmente, propagandistas do governo, seja para exaltar seus feitos reais ou imaginários, seja para reforçar as pressões pela redução dos juros do Banco Central fomentadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

É fato que parecem dadas as condições para o corte das taxas do BC a partir do início de agosto, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) volta a se reunir. Entretanto o detalhamento do IPCA do mês passado ainda não mostra um cenário tão tranquilizador.

Índices de preços negativos não são novidade. O país os registrou em julho, agosto e setembro do ano passado, para ficar no exemplo mais recente —naquela ocasião, graças a uma intervenção eleitoreira de Jair Bolsonaro (PL) para desonerar os combustíveis, além da queda de cotações de matérias-primas no mercado global.

Em menor grau, a combinação de sorte e artificialismo se repete agora. Tanto houve barateamento circunstancial de alimentos e combustíveis quanto o efeito do programa equivocado para favorecer a compra de automóveis.

Assim, a ligeira deflação de 0,08% em junho não marca o fim do surto inflacionário que se seguiu, no Brasil e no mundo, à pandemia de Covid-19 —como a deflação de 2022 tampouco marcava.

O IPCA cai, sim, mas não está em nível tão confortável como pode sugerir a taxa acumulada de apenas 3,16% nos últimos 12 meses. Em cálculos que excluem preços muito voláteis ou variações pontuais exageradas, os chamados núcleos da inflação ainda mostram taxas na casa dos 6% no período.

Da mesma forma, o setor de serviços, no qual as tendências de preços são mais estáveis, registrou alta de 0,62% em junho e 6,21% em 12 meses, cifras elevadas. Não por acaso, refrearam-se no mercado financeiro apostas em um corte mais agressivo dos juros.

O que há de mais positivo é que o país vai superando gradual e consistentemente uma inflação que chegou ao patamar de dois dígitos —e teve impactos particularmente dolorosos para os estratos mais pobres da população.

O feito, se confirmado mais à frente, não se deverá ao voluntarismo de governantes, mas à persistência das balizas da política econômica, aí incluídos a autonomia do BC e os limites, mesmo falhos, para a expansão do gasto público.

Há um custo momentâneo e não desprezível para o crescimento do PIB e a geração de empregos, sem dúvida, mas basta uma comparação com os flagelos da vizinha Argentina para constatar que muito pior seria evitar os ajustes.

editoriais@grupofolha.com.br

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