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O que a Folha pensa ataque à democracia

Investigar e punir

Com medidas antigolpe paradas no Congresso, novas propostas têm tom punitivista

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Estátua da Justiça em frente à sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília (DF) - Lula Marques/Folhapress

Cesare Beccaria, o grande criminologista iluminista italiano, ensinava, já no século 18, que é a certeza da punição e não a dureza do castigo que serve de freio à criminalidade. Mas, em pleno século 21, ainda são muitos os que gostam de usar o direito penal para sinalizar virtudes e passar recados políticos.

É nessa estratégia que se enquadra a mais recente proposta do governo de endurecer punições a ações antidemocráticas, na sequência dos ataques de 8 de janeiro.

A democracia tem, por óbvio, não apenas o direito como também a obrigação de defender-se dos que tentam destruí-la. Os meios legais para isso, embora sempre comportem melhorias, já existem.

O Código Penal já prevê tanto o crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito (artigo 359 L), com punição de 4 a 8 anos de reclusão mais a pena correspondente à violência perpetrada ou tentada, como o de deposição violenta de governo legitimamente constituído (artigo 359 M), que rende de 4 a 12 anos somados à pena pela violência utilizada.

Há ainda um sem-número de delitos nos quais aqueles que tentam dar um golpe quase que invariavelmente recaem, como homicídio, explosão e vandalismo.

Não é, portanto, por falta de previsão legal que golpistas escapam à punição. Isso até pode ocorrer, mas será porque as autoridades ou não conseguiram identificá-los ou não foram capazes de reunir provas que levem à condenação. Em ambos os casos, o problema não está na lei, mas nas investigações.

À luz dessas reflexões, soa um pouco exagerado que o governo apresente agora um segundo pacote de leis antigolpe. O primeiro, lançado logo depois das invasões de janeiro, está praticamente parado no Congresso. O tom das novas propostas é claramente punitivista.

Liderar movimentos antidemocráticos passaria a ser crime, com pena de 6 a 12 anos. Financiá-los poderia resultar em até 20 anos. Atentar contra a integridade física e a liberdade de autoridades com o fim de alterar a ordem constitucional renderia de 6 a 12 anos. Se o atentado for contra a vida, seriam de 20 a 40 anos.

Como o Ministério da Justiça ainda não apresentou os textos dos projetos de lei, mas só um resumo, não é possível fazer juízos definitivos. Preocupa, porém, a imprecisão de termos utilizados. O que é um "movimento antidemocrático"? Um grupo de estudos que tente resgatar soluções do comunismo ou do fascismo para problemas atuais entra nessa categoria?

Não se afirma que a lei não possa ser aprimorada. Mas, se o propósito é inibir o golpismo, e não emitir mensagens políticas, as autoridades deveriam se preocupar menos em legislar e mais em investigar.

editoriais@grupofolha.com.br

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