Descrição de chapéu
Jorge Luis Tonetto

Cashback: da opinião à evidência científica

Modelo não cria estorvo e tem objetivos não cobertos pelo Bolsa Família

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Jorge Luis Tonetto

Doutor em economia, é professor de Finanças Públicas (PUC-RS); ex-secretário de Fazenda de Porto Alegre e ex-secretário-adjunto de Fazenda do Rio Grande do Sul

A experiência gaúcha com o chamado cashback, por meio de um programa que devolve parte do ICMS pago pelas famílias de baixa renda, mostra que esse tipo de política não cria mais burocracia para o Estado, muito menos estorvo para a população, como argumentam alguns críticos da proposta, que foi incorporada na Reforma Tributária recentemente aprovada e será implementada no país nos próximos anos.

Para começo de conversa, aparentemente os críticos não conhecem as experiências concretas de cashback. No caso do "Devolve ICMS", o programa foi inaugurado em 2021 com foco nas famílias do cadastro único nacional —inicialmente apenas as beneficiárias do Bolsa Família. E o único "estorvo" para receber o benefício era retirar um cartão de débito pré-pago emitido pelo banco estadual, o Banrisul.

Imagem do cartão do programa
Cartão Cidadão do programa Devolve ICMS - Robson Nunes/Ascom Sefaz-RS - Robson Nunes/Ascom Sefaz-RS

Como sabíamos que muitas dessas famílias não têm hábito de emitir notas fiscais, iniciamos o programa devolvendo antecipadamente R$ 100 por trimestre, independentemente do consumo aferido pelas notas.

Ao mesmo tempo, anunciamos que, depois de nove meses, iniciaríamos uma segunda fase em que a parcela fixa de devolução seria complementada por uma parcela variável —aí sim de acordo com o valor das notas fiscais, sujeito a um teto compatível ao consumo daquela faixa de renda.

Importante lembrar que o cashback tem dois objetivos não cobertos pelo Bolsa Família, que são a mitigação da regressividade da tributação e a ampliação da cidadania fiscal, algo muito importante para a coesão social e o engajamento da sociedade nas decisões políticas sobre o sistema tributário. Hoje os cidadãos estão sob o efeito de uma espécie de "anestesia fiscal", pois não sabem quanto pagam de imposto nem qual real benefício obtêm das desonerações tributárias. E isso tende a mudar com o novo modelo de IVA nos próximos anos, seja pela adoção do cashback, seja pelo uso de alíquotas mais transparentes e uniformes.

Voltando ao caso do "Devolve ICMS", nossa expectativa era de que as famílias desenvolveriam o hábito de emitir mais notas fiscais para ampliar o valor do benefício a receber. E o que os dados mostram?
As 7,7 milhões de observações reunidas desde o início do programa permitem comparar as famílias beneficiárias com aquelas que podiam receber a devolução mas não retiraram o cartão. E nossas pesquisas mostram que os beneficiários não só aumentaram seu consumo formal mensal em R$ 32,47 como também passaram a emitir mais notas fiscais do que antes, entre 21% e 46%.

Quanto ao perfil dos beneficiários, os dados mostram que a maioria se encontra na faixa de 31 a 40 anos e, em termos de gênero, 82,8% são mulheres. Quanto ao perfil dos gastos, 83% dos recursos foram utilizados na compra de produtos de primeira necessidade em mercados, açougues, restaurantes e padarias.

Além disso, conseguimos transformar um imposto regressivo em progressivo nas faixas de renda mais baixas. E nada disso causou qualquer estorvo para essas famílias, nem tampouco burocracia para o estado, na medida em que o programa é operacionalizado por sistemas que já existiam antes.

É importante citar que hoje o benefício da devolução do ICMS já representa, para as famílias mais pobres, um valor monetário cerca de duas vezes maior do que aquele usufruído por via das desonerações para a cesta básica, que são extremamente custosas para o Estado e beneficiam principalmente os mais ricos. E há possibilidade de ampliar esse cashback se, simultaneamente, reduzirmos as desonerações.

A isenção da cesta básica se justificava num período em que não existiam outras possibilidades tecnológicas, devido a um modelo baseado em papel que já foi suplantado. Hoje a tecnologia nos permite focalizar a desoneração em quem realmente precisa, conferindo muito mais eficiência para a política pública.

Tanto é assim que outros países desenvolvidos, como Japão e Canadá, já adotam sistemas similares. E nós devemos seguir o mesmo caminho —o do progresso.

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