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Natalia Paiva

Eleições 2024 e internet: para além da remoção de conteúdo

Plataformas devem criar logo plano claro e detalhado de mitigação de riscos

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Natalia Paiva

Sócia e cofundadora da Alandar Consultoria em Políticas Públicas, é membro do Conselho Consultivo de Segurança da Teleperformance; ex-chefe de políticas públicas do Instagram para a América Latina, ex-consultora da McKinsey & - Company para o setor público e ex-diretora-executiva da Transparência Brasil

A menos de dois meses do prazo final para aprovação de uma reforma eleitoral que valha para o pleito municipal de 2024, não há debate sobre o novo Código Eleitoral (PLP 112/2021), sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI). Mais do que isso: quase ninguém conhece sua versão do projeto, que deve ter grande impacto sobre o debate político na internet, entre outros pontos do processo.

Pensar regras eleitorais claras para a internet é complexo —há muitas nuances técnicas e principiológicas, leva tempo e exige diversas vozes. Também precisamos encarar desde já a tarefa de repensar o modelo institucional de 2022, marcado por uma atuação contundente do Tribunal Superior Eleitoral sobre as plataformas digitais. Vale recordar que o modelo foi o de uma resolução, aprovada entre o primeiro e o segundo turnos, sem discussão prévia e com entraves para operacionalização.

Mas o que tem sido norma nas regulações sobre o tema, e que também precisa ser repensado, é o foco excessivo em remoção de conteúdo —o que, por um lado, é quase um trabalho de Sísifo, e, por outro, pode representar potencial ameaça à liberdade de expressão e mesmo resvalar em autoritarismos.

A moderação de conteúdo, uma das áreas mais mal compreendidas da internet, é fundamental para que as regras estabelecidas pelas redes —em busca de segurança para usuários e anunciantes— sejam cumpridas. Trata-se de um sistema complexo, que envolve ferramentas de inteligência artificial e revisores humanos e exige diretrizes muito específicas e constantemente atualizadas para aplicação em larga escala.

Quando, como fez o TSE, propõem-se coisas como proibição de conteúdo "contra o Estado democrático de Direito" ou que "incitem animosidade contra as Forças Armadas", a pergunta que fica é: como isso se operacionaliza? Quem vai decidir se aquele determinado conteúdo é ou não um atentado ao Estado?
Em 2022, por exemplo, determinou-se que uma decisão colegiada da corte sobre a retirada de um conteúdo poderia se estender a conteúdos "idênticos" republicados. A intenção é boa, mas na prática é comum que conteúdos parecidos não sejam idênticos. Uma mesma imagem, se publicada com legenda diferente, pode ganhar sentido oposto.

É, por isso, importante que se saia da dicotomia remoção versus manutenção de conteúdos. Um dos mecanismos mais poderosos dos algoritmos das redes é impactar a distribuição de conteúdo na linha do tempo, que pode ser reduzida em casos tão díspares como mensagens de spam, vídeos com violência gráfica e imagens com desinformação. Outro mecanismo de forte impacto é a criação de fricções, como telas de proteção em imagem potencialmente danosa ou mensagens que desencorajam a seguir contas de violadores contumazes das políticas das plataformas. Ainda também fortes são os rótulos informativos, por exemplo sobre o processo eleitoral.

As parcerias que o TSE tem firmado com as plataformas, algo talvez inédito no mundo, podem ser uma alavanca cada vez mais positiva. Elas já são hoje um incentivo para que cada empresa crie uma "carta de intenções" quase um ano antes das eleições. Porém, seria interessante pensar em modelos que exijam mais transparência sobre os processos internos das plataformas e que tragam mecanismos de accountability; na prática, que cada plataforma se comprometa com um plano claro e detalhado de mitigação de riscos, a partir de seu design e desafios específicos, e que ao fim do processo haja prestação de contas.

De olho nas próximas eleições, seria fundamental uma coalizão nacional multissetorial para pensar regras claras para o jogo democrático na internet, chegar a um melhor arcabouço institucional entre TSE e big techs e desenhar quais são os mecanismos que podem ser firmados desde o início pelas plataformas. Para isso, precisaríamos de um diálogo amplo —o que, a despeito do relógio correndo, não está acontecendo.

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