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Ronilso Pacheco

Evangélicos também querem respostas sobre Marielle

Campo é complexo, principalmente por quem não conhece suas gradações

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Ronilso Pacheco

Teólogo (PUC-Rio) e mestre em religião e sociedade (Universidade Columbia), é diretor de Programas do Instituto de Estudos da Religião (Iser)

Na mesma semana do assassinato brutal de Marielle Franco, na dolorosa noite de 14 de março de 2018, o portal Novos Diálogos, que é progressista, juntou e publicou várias notas de repúdio e luto de igrejas e organizações cristãs. Qualquer investigação ou matéria sobre essa "indiferença" poderia começar rastreando como aquelas igrejas e organizações se manifestam quanto ao caso agora. Ali há muitas igrejas mais progressistas, como as ligadas à Aliança de Batistas do Brasil, e também a Igreja Metodista (Região de São Paulo) e a Igreja Batista Coqueiral. Ambas não estão posicionadas no espectro "progressista"; são igrejas "comuns", cuja lideranças e membros têm sensibilidade evangélica e apreço pela democracia. Ali havia a Rede Nacional Evangélica de Ação Social, a Renas, uma das maiores redes de igrejas e organizações sociais evangélicas do país, muitas delas posicionadas assumidamente no campo conservador.

Começo o texto dessa maneira para ilustrar a surpresa com o artigo "Evangélicos ignoram o caso Marielle, por quê?", publicado nesta Folha pelo colunista Juliano Spyer (31/7), buscando dar as razões para isso. Ter lido que "o silêncio é generalizado entre evangélicos, de progressistas a conservadores" afetou-me quase na mesma proporção do impacto e da dor que senti ao receber a notícia de seu assassinato em 2018.

Mais que um artigo para responder outro, ele foi escrito para afirmar que, a despeito de suas diferenças internas (e são muitas), o campo evangélico progressista seguiu e segue próximo do caso, interessado na sua elucidação e/ou fiel à pergunta: "Quem mandou matar Marielle?".

A própria coluna citada falha em expor as duas afirmações que faz. Primeiro, porque não há no texto nenhuma narração sobre como os evangélicos progressistas silenciaram ou porquê. Segundo, o subtítulo do artigo ("Fundamentalistas veem a homossexualidade como aberração que deve ser exterminada") personaliza o tipo de evangélicos que ignoraram o caso Marielle: os "fundamentalistas", especificando o que o título generaliza.

O campo evangélico é diverso, difuso e complexo. O campo evangélico progressista, embora mais específico, não é tão simples de ser identificado, principalmente por quem não conhece as suas muitas gradações a partir de dentro. Mas esse é um desafio que qualquer um que escreva sobre esse grupo precisa, com seriedade e sensibilidade, encarar.

Há muitos evangélicos e evangélicas progressistas, sem nenhum cargo de liderança, que estão em igrejas conservadoras, algumas mesmo de matizes fundamentalistas e silenciaram durante os últimos anos do governo Bolsonaro para preservar relações. Há lideranças progressistas que publicamente silenciam sobre o caso Marielle porque as represálias e o assédio em suas igrejas conservadoras foram e continuam sendo muitos. Mas esse silêncio não tem a ver com ignorar. Ele está na categoria das estratégias de sobrevivência em um espaço do qual você depende de várias maneiras (da financeira à afetiva). Que sejam poucos, que sejam alguns, evangélicos e evangélicas progressistas (e eu sei que não apenas neste campo) seguem clamando: "Quem mandou matar Marielle e por quê?".

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