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VÁRIOS AUTORES

A operação policial em Guarujá foi bem conduzida? NÃO

Denúncias de abusos, torturas e execuções sumárias chegam diariamente

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A megaoperação realizada pela polícia de São Paulo após a morte de um soldado da Rota é considerada, até agora, a mais letal da PM paulista desde o trágico evento do Carandiru, em 1992. Denúncias de abuso de autoridade, tortura, terror psicológico, invasão de propriedade e execuções sumárias, entre outras, têm chegado diariamente à Ouvidoria da Polícia, ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e a demais órgãos de defesa dos direitos humanos. Nelas, os componentes do medo e da indignação dão o tom.

Apesar de o governador do estado ter se declarado extremamente satisfeito com a operação, isso não ocorreu sem o rastro de violações aos direitos humanos e infrações às regras de conduta que devem orientar a atuação da polícia.

Ato em repúdio às mortes na Baixada Santista na praça 14 Bis, em Guarujá - Danilo Verpa/Folhapress - Folhapress

A apuração tem se desdobrado em diferentes esforços. De um lado, o governo paulista tentando criar uma narrativa de tecnicidade que não se sustenta em razão da ocultação de dados oficiais e do absenteísmo do debate público. De outro, a luta de instituições de controle e proteção aos direitos humanos, em parceira com movimentos sociais, por conseguir números confiáveis, a escuta atenta e humanística com as vítimas e seus familiares —que se fez notar com a presença no território—, além da busca incansável pela real elucidação dos fatos.

Nas comunidades visitadas, os números ganham feições, cor, raça, nomes, histórias. Lá se pode conhecer fatos reais como, por exemplo, a história do cabeleireiro Felipe Nunes, que, tempos atrás, estava carregando para seu salão um espelho quando este se partiu, afetando um tendão e imobilizando três dedos da sua mão. O acidente o obrigou a abandonar a profissão, trocando o sonho pelo trabalho como vendedor de açaí na praia. Além das denúncias de ter sido torturado, Felipe, que não podia mais segurar sequer uma tesoura ou um pente, foi acusado de ter trocado tiros com a polícia, portando uma arma.

Histórias como essa se repetem em nomes como Layrton Vieira, morto na cama, juntamente com seu cachorro, ou Flávio Sérgio Cabral, executado logo após Layrton, enquanto gritava que tinha registro policial, ou Felipe do Nascimento, um garçom que teria sido retirado do barraco onde mora e executado, assim como Cleiton Barbosa, Fabio Oliveira e pelo menos mais uma dezena de pessoas que, a par de terem ou não pendências com a Justiça, não tiveram tempo de serem investigados, julgados e apenados. Padeceram sob uma decisão de morte ilegal e injusta.

Como já dissemos, justiça não é justiçamento. E não se nega o difícil trabalho de repressão ao tráfico, mas tem sido impossível encontrarmos a racionalidade por trás das ações violentas da polícia em suas incursões nas comunidades da Baixada Santista. Entre as versões, aguardamos a materialidade das ocorrências, as imagens das câmeras corporais que já vinham reduzindo em 76,2% a letalidade policial, os laudos periciais e a possibilidade de estes serem confirmados por institutos científicos independentes.

É urgente, pois, que possamos garantir a eficácia dos sistemas de controle das forças policiais por meio de instituições de nossa sociedade, com a transparência dos fatos que vêm ocorrendo na denominada Operação Escudo. E, a partir daí, construir pontes para que a cidadania não seja martirizada nos becos escuros de nossas favelas e que nenhuma vida mais seja ceifada pela ignomínia do crime nem pela insensatez da vingança.


Claudio Silva
Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo

Claudio Cardoso
Advogado e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP

Priscila Akemi Beltrame
Advogada e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP

Dimitri Sales
Presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana)

TENDÊNCIAS / DEBATES
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