O maior choque inflacionário global das últimas décadas, na esteira da pandemia de Covid-19, pegou de surpresa praticamente todos os principais bancos centrais do mundo, que foram obrigados a elevar rapidamente os juros.
Estancar a alta dos preços passou a ser a prioridade das autoridades monetárias, mesmo ao custo de uma possível recessão, que felizmente até agora não ocorreu.
Ao contrário, o vigor da economia nas principais regiões surpreende ao mesmo tempo em que a inflação cai na maioria dos países, sinal de que a subida dos juros até aqui teve resultados benignos.
No caso brasileiro, o Banco Central foi pioneiro entre seus pares, tendo iniciado o longo ciclo de aperto na taxa básica —de 2% para 13,75% ao ano— em 2021.
Nos últimos 90 dias, já houve redução de um ponto percentual. A trajetória da inflação se mostra positiva: a variação do IPCA deve cair de 5,78% em 2022 para 4,9% neste ano, segundo pesquisa do BC.
Enquanto isso, a economia continua a crescer, desafiando prognósticos de desaceleração. O avanço esperado por analistas para o PIB deste ano passou de 0,7% em janeiro para 3%, com desemprego em queda. Fatores como a expansão da safra e dos gastos públicos ajudam a explicar o desempenho.
Outros bancos centrais, como o Fed americano, estão um pouco atrás em seu trabalho e, se não subiram mais suas taxas, tampouco sugerem que haverá cortes de juros ainda por muitos meses.
Guardadas essas diferenças, a desinflação sem grandes custos até aqui sem dúvida se mostra um padrão global. Mas é preciso cuidado para não cantar vitória prematuramente. Ainda que o caminho trilhado tenha sido favorável, o final pode ser mais acidentado.
A imagem da última milha que reserva desafios tem sido usada com frequência. O diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, a empregou ao reconhecer que a convergência ainda é parcial.
Evidência disso são as expectativas de inflação, de 3,87% e 3,5% para os próximos dois anos, ainda acima das metas oficiais.
A prudência de Galípolo é bem-vinda. É preciso cautela diante das incertezas globais e também dos problemas especificamente brasileiros. Além da resistência da inflação dos serviços, o risco de descontrole fiscal está presente.
Mesmo que haja expectativa generalizada de descumprimento da meta de zerar o déficit federal em 2024, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa persegui-la.
As decisões do Executivo nessa frente serão cruciais para determinar quão acidentada será a jornada de controle da inflação e mesmo da estabilidade da economia. É bom que o BC esteja atento a isso.
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