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Samuel Ebel e Juliana Bertholdi

Justiça arquiva inquérito sobre deslizamento no PR que fez dois mortos

Legislação precisa responsabilizar pessoas jurídicas

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Samuel Ebel

Advogado, doutorando em direito do Estado (UFPR)

Juliana Bertholdi

Advogada, doutoranda em justiça, democracia e direitos humanos (PUC-PR) e doutoranda em direito internacional na Friedrich Alexander Universität (Nuremberg, Alemanha)

Na última quinta-feira (12), um enorme congestionamento de formou na BR-376, entre o Paraná e Santa Catarina. A fila foi causada pelo fechamento da estrada pela concessionária devido às fortes chuvas. O fechamento da estrada como medida preventiva a deslizamentos vem se repetindo há quase um ano.

Aviso da PRF sobre bloqueio na BR-376
Aviso da PRF sobre bloqueio na BR-376 - Reprodução

Em 28 de novembro de 2022, um grave deslizamento ocorreu no km 669 da BR-376 (Guaratuba, litoral do Paraná). Naquele dia, porém, a estrada não havia sido interditada pela operadora. O deslizamento atingiu três carros e seis caminhões, matando duas pessoas; 14 foram afetadas. A rodovia ficou então interditada por nove dias. O trecho é de responsabilidade da concessionária Arteris Litoral Sul.

O que soa como uma fatalidade absolutamente inevitável ganha contornos diversos quando analisamos de forma mais detida a sucessão de fatos. As fortes chuvas já haviam levado a concessionária a interditar o fluxo de veículos naquele 28 de novembro por quase quatro horas.

Quando o acidente foi divulgado pela mídia, um dos principais questionamentos realizado foi sobre uma possível responsabilidade da Arteris —sendo quase consensual que a estrada deveria ter permanecido fechada depois do primeiro deslizamento até que fosse realizada uma perícia no local.

Caminhão atingido por deslizamento na BR-376 em novembro de 2022 - Albari Rosa/AEN

Porém, no mês passado, a Justiça paranaense decidiu arquivar o inquérito policial por entender que não existe responsabilidade criminal no caso. Para a Justiça, foi uma fatalidade.

Fatalidades como essa parecem ocorrer com certa frequência no país: o desastre de Mariana, seguido pelo de Brumadinho, assemelham-se ao presente na medida em que a delimitação da responsabilidade penal dos dirigentes das empresas parece um desafio insuperável para a Justiça brasileira. O resultado é ausência de responsabilidade penal.

Há muito defendemos a necessidade de que seja ampliada normativamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A suposta "incapacidade de ação" não pode ser barreira para sua responsabilidade penal diante da importância do corpo empresarial na sociedade contemporânea. A teoria penal deve se adaptar aos perigos e riscos oriundos da atividade empresarial.

No ordenamento jurídico brasileiro não há a reprovação penal da pessoa jurídica para além dos delitos ambientais. Dessa forma, as famílias e a sociedade não terão respostas sobre as mortes ocorridas devido ao deslizamento de terra nas margens de uma rodovia federal concedida para a iniciativa privada.

Em um exemplo pertinente, o Reino Unido promulgou no ano de 2007 a Corporate Manslaughter and Corporate Homicide Act, em que o legislador e os teóricos do direito penal não viram problemas em responsabilizar as corporações por mortes causadas durante a execução de suas atividades empresariais.

Deslizamento na BR-376 em novembro de 2022 - Albari Rosa/AEN

Para a pessoa jurídica, deve ser atribuída a qualidade de sujeito de direito penal para além dos delitos ambientais. Em uma sociedade moderna e preocupada com a paz social, não se sustenta a permissão para a pessoa jurídica delinquir sem a consequência jurídica.

Se voltarmos os olhos para os nossos vizinhos sul-americanos, apenas o Paraguai e o Uruguai não responsabilizam criminalmente as empresas por crimes cometidos.

Entendemos que quando a empresa toma decisões intencionais, seja com o objetivo de lucro, seja para manutenção de seus serviços em desconformidade com o conjunto normativo (regras, alvarás, licenças, laudos técnicos), deve ser responsabilizada pelos resultados lesivos aos quais deu causa.

Se a pessoa física é passível de responsabilidade, não há de ser justo que a pessoa jurídica tenha privilégios no âmbito jurídico-penal, sendo responsável apenas por crimes ambientais, por meio da fraca suposição de que não seria capaz de agir em detrimento de outros bens jurídicos.

O debate é atual e necessário. A impunidade não pode prevalecer e a responsabilidade penal não deve ser seletiva.

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