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Augusto Getirana

Eventos hidrológicos extremos e a urgência por políticas públicas

Estado aplica medidas cosméticas "post mortem" que não previnem desastres

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Augusto Getirana

Cientista sênior no Laboratório de Ciências Hidrológicas do Centro de Voo Espacial Goddard da Nasa

Perda de vidas e propriedades por enchentes não é algo novo para Petrópolis, tampouco para o estado do Rio de Janeiro, muito menos para o Brasil. A cada verão chuvas arrasam cidades brasileiras.

O caso mais recente, na serra fluminense —que até a tarde de segunda-feira (21) resultava em 171 mortos e pelo menos 110 pessoas desaparecidas—, deve ser tomado como exemplo do resultado do descaso do governo e da ausência de políticas públicas que protejam cidadãos e patrimônios, assim como a própria infraestrutura pública, de eventos hidrológicos extremos.

A Constituição Federal de 1988 determina que é dever do Estado preservar a ordem pública, protegendo vidas e patrimônios. Tragédias como a ocorrida em Petrópolis evidenciam a falha generalizada de órgãos públicos em garantir a segurança da população. Isto ocorre porque a implementação de políticas de planejamento urbano, que praticamente inexiste na maioria das cidades brasileiras, reduziria significativamente os riscos de enchentes urbanas e as consequentes perdas.

Se, por um lado, a perda de vidas por desastres é irreparável, por outro, se focássemos em um aspecto puramente econômico, chegaríamos facilmente à conclusão de que outros danos excederiam, em muito, os custos com infraestrutura preventiva. Em vez disso vemos o Estado atuando com medidas cosméticas "post mortem" que em nada previnem a ocorrência de futuros desastres.

Isso porque, ao orçar os danos, o Estado limita-se à recuperação do local da forma como era antes, não prevendo melhorias infraestruturais para a redução de riscos futuros —ou, ainda, prejuízos indiretos causados pela interrupção de atividades econômicas.

Este é um problema histórico, apartidário e notado do nível municipal ao federal. Na ausência de infraestrutura essencial para a redução de riscos de enchentes urbanas, o Estado tem buscado alternativas para evitar mortes, como sistemas de alerta. Tais alertas, em teoria, combinam modelos numéricos de previsão, redes de radares e postos meteorológicos e diferentes formas de comunicação, como sirenes e alertas em rádios, TVs e celulares.

Na prática, a combinação de modelos numéricos imprecisos, redes de monitoramento subdimensionadas, falhas de comunicação e pouca governança culmina em desinformação, resultando na perda de dezenas de vidas, como testemunhamos no dia 15 de fevereiro.

Tantas limitações são, em grande parte, causadas por cortes orçamentários, cada vez mais comuns. A chuva que atingiu Petrópolis foi um evento excepcional, que teria causado danos a qualquer cidade no mundo. No entanto, a falta de preparo generalizado do governo maximizou seu impacto.

Hoje a comunidade científica internacional entende, por unanimidade, que tais eventos hidrológicos vêm se tornando mais frequentes e intensos mundo afora como resultado das mudanças climáticas.

O Brasil não é exceção. É preciso que haja urgentemente uma mudança de paradigma sobre políticas públicas e de governança no país, focando em investimentos infraestruturais preventivos e de longo prazo, de forma que o histórico de desastres brasileiros não se prolongue no futuro. Tais políticas incluiriam, entre outras medidas, a recuperação de terrenos ocupados irregularmente (esses comumente localizados em áreas de risco), reassentamento da população em áreas seguras e o redimensionamento e a manutenção de redes de drenagem.

Outras medidas essenciais são: 1 - a melhoria da precisão de sistemas de previsão através do refinamento da representação de complexidades geológicas e meteorológicas únicas do território brasileiro; 2 - a intensificação de sistemas de monitoramento meteorológico através da instalação de novos postos e radares; e 3 - melhor alinhamento entre órgãos responsáveis, como Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e Defesa Civil, além de outros órgãos locais, como o Inea (Instituto Estadual do Ambiente, no caso do Rio de Janeiro, de forma a otimizar a eficiência e precisão dos sistemas de alerta.

Finalmente, a conscientização e a mobilização da sociedade, não somente sobre mudanças climáticas mas também a respeito de seus direitos e deveres do Estado, faz-se fundamental para que esse processo vá adiante.

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