Descrição de chapéu
O que a Folha pensa jornalismo

Imprensa na balança

Pena excessiva a jornalista abre precedente contra a liberdade de informação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mulheres protestam contra a decisão da justiça sobre o caso de Mariana Ferrer, em São Paulo (SP) - Amanda Perobelli - 8.nov.20/Reuters

A jornalista Schirlei Alves foi condenada pelo crime de difamação contra o juiz Rudson Marcos e o promotor Thiago Carriço. Para cada vítima, a magistrada Andrea Cristina Studer estipulou pena de seis meses de detenção em regime aberto e R$ 200 mil de multa.

A punição é exagerada e contraria a jurisprudência sobre o tema. Ao estimular a autocensura, afeta a liberdade de imprensa.

Em novembro de 2020, Alves publicou uma reportagem no Intercept Brasil sobre o caso do empresário André de Camargo Aranha, acusado pelo crime de estupro de vulnerável contra a influencer Mariana Ferrer. Aranha foi absolvido.

A manchete dizia que o julgamento "termina com tese inédita de ‘estupro culposo’" e, no texto, após descrever a argumentação da promotoria, conclui-se com "ou seja, uma espécie de ‘estupro culposo’".

A juíza entendeu que a repórter difamou o promotor ao atribuir a ele a tese de "estupro culposo".

De fato, a expressão não consta da decisão judicial. Segundo a promotoria, não foi possível comprovar a vulnerabilidade de Ferrer (por consumo de álcool ou drogas) e, consequentemente, o dolo de Aranha. Como o crime de estupro não admite a modalidade culposa (sem intenção), Carriço pediu a absolvição do réu.

Um dia após a publicação, o veículo inseriu uma nota de esclarecimento: "A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo".

Ademais, em dezembro daquele ano, a reportagem foi editada por ordem da Justiça, com notas que explicam o julgamento.

Considerando que estão em questão sobretudo procedimentos técnicos e que o direito de resposta dos ofendidos havia sido assegurado com a edição do texto, a condenação de Alves é desproporcional e abre precedente temerário contra a liberdade de imprensa.

Em outros casos sobre danos morais e materiais, o Supremo Tribunal Federal tem se valido da "cláusula de modicidade", que prevê montantes proporcionais ao dano sofrido por alguém.

Profissionais da imprensa precisam estar seguros de que seu trabalho não será punido com penas descabidas. Caso contrário, inibe-se a função de observador crítico de governos e autoridades, fundamental em qualquer democracia.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.