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O legado de Kissinger

Para o bem e o mal, diplomata do pós-guerra ajudou a moldar o mundo do século 20

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Henry Kissinger, diplomata e ex-secretário de Estado dos EUA - Brendan Smialowski/AFP

Gênio da diplomacia. Manipulador inescrupuloso. Maestro da Guerra Fria e pai da disputa geopolítica entre China e Estados Unidos. Criminoso responsável por ditaduras e políticas de extermínio.

Morto aos 100 anos, Heinz Alfred Kissinger era um dos poucos homens que podiam receber todas as qualificações acima. Ao mesmo tempo, como gostava de dizer, ser vilão e herói no fluxo histórico.

Kissinger, um judeu alemão cuja família fugiu do nazismo, tornou-se o americano Henry e avançou uma brilhante carreira acadêmica.

No seu doutorado em Harvard, publicado em 1957 como livro sobre a paz do Congresso de Viena no século 19, encontra-se seu modelo presumido: o príncipe austríaco Klemens von Metternich, artífice do longo período de relativa estabilidade europeia pós-Napoleão.

O nobre, escreveu Kissinger, destacou-se pela manipulação e pela sutileza. Da mesma forma, como acadêmico, diplomata, alto funcionário e consultor milionário, foi ouvido por 12 presidentes americanos, notavelmente o antissemita Richard Nixon, a quem desprezava.

E não só, como a recente visita do "velho amigo da China" a Xi Jinping provou. O país asiático é talvez o zênite da carreira de Kissinger. Como conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado, estabeleceu os laços que levaram Pequim a ser o chão de fábrica do Ocidente por várias décadas.

Como a paz de Metternich desaguou no primeiro conflito mundial cem anos depois, o objetivo inicial de Kissinger com a China, de minar o poderio soviético nos anos 1970, gestou a segunda Guerra Fria entre Pequim e Washington.

A lista de eventos do fim do século 20 com a mão do diplomata é infindável, como a aceitação enrustida da derrota no Vietnã que lhe rendeu um Nobel da Paz e a instalação dos EUA como vetor central no Oriente Médio por décadas.

Aqui, as tintas do legado se tornam sombrias, quando não enrubescem pelo sangue derramado de 50 mil cambodjanos mortos numa campanha aérea brutal e ilegal dos EUA, ou das vítimas da ditadura de Augusto Pinochet, cuja ascensão patrocinou em 1973 no Chile.

Como todo colosso, Kissinger tinha fraturas e áreas de sombra. Defini-lo só por uma coisa ou outra é negar a complexidade inerente às grandes figuras históricas.

editoriais@grupofolha.com.br

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