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Alexandre Schwartsman

O que Breno Altman esconde

Jornalista não citou em seu artigo que prega a liquidação do Estado de Israel

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Alexandre Schwartsman

Doutor em economia (Universidade da Califórnia, Berkeley), é ex-diretor do Banco Central

Breno Altman afirmou em artigo nesta Folha ("Quem irá parar a mão assassina de Israel?", 13/11) que "a conquista da paz duradoura dependerá de forçar o sionismo a negociar". Parece uma posição para lá de razoável; afinal de contas, como obter a paz senão por meio da negociação?

O que Altman oculta do leitor, por ardil ou covardia, contudo, são suas visões sobre o que deveria ser o resultado dessa negociação. Não revela, por exemplo, que prega a liquidação do Estado de Israel, como neste tuíte: "As agressões genocidas de Israel contra os palestinos são uma demonstração cabal de que o regime sionista precisa ser liquidado" e substituído por "uma República binacional".

Pessoas tentam apagar incêndio após ataque com foguetes da Faixa de Gaza em Ashkelon, no sul de Israel - Ahmad Gharabli/AFP - AFP

Omite também os documentos norteadores das ações do Hamas, segundo os quais "Israel existe e continuará a existir até que o Islã o oblitere, como fez com outros antes", acrescentando que "o Dia do Julgamento não virá até que muçulmanos lutem com judeus e os matem". Por mais que a BBC em 2015 tenha tomado o duvidoso cuidado de traduzir "cortar a cabeça dos judeus" por "cortar a cabeça dos israelenses" em documentário sobre Gaza, nenhuma das versões deve deixar muito tranquilos judeus que deveriam fazer parte do idílico Estado binacional.

Isto, porém, não parece ser um problema para o autor, para quem "a maior causa do antissemitismo é o Estado colonial e racista de Israel". Lembrado de vários episódios ao longo da história, incluindo o Holocausto, saiu-se com a desculpa de estar se referindo apenas "aos tempos atuais, pós-Segunda Guerra".

À parte não explicar muito bem como o antissemitismo anterior a 1945 despareceria milagrosamente caso Israel não existisse, tal argumento na prática culpa os judeus pelo antissemitismo.

Não é uma visão distinta, diga-se, da perspectiva daquele austríaco que em discurso de 1939 dizia que "se os financistas judeus (...) tiverem sucesso em levar as nações à guerra mais uma vez, o resultado não será a ‘bolchevização’ da Terra e a vitória dos judeus, mas a aniquilação da raça judaica da Europa". Se morremos, a responsabilidade é nossa.

Isto quando não está ocupado negando as atrocidades cometidas pelo Hamas (que também não ousou repetir neste jornal). Poderíamos até deixar barato as tentativas de reduzir o número de mortos (de 1.400 para 1.200!), mas jamais deixaríamos de notar quando, com requintes de perversidade, afirma que "não há prova de qualquer crime sexual" —apesar dos inúmeros vídeos gravados pelos próprios terroristas do Hamas.

O caminho para a paz, que hoje parece mais longe do que nunca, passa pela solução de dois Estados, como decidido pela ONU em 1947. Se é verdade que a liderança palestina repetidas vezes desconsiderou essa possibilidade, não é menos verdade que seguidos governos israelenses, em particular o atual, também a sabotaram.

Requer essencialmente a retirada israelense da Cisjordânia, provavelmente com uma permuta justa de terras, assim como também aceitação, sem quaisquer reservas, do direito à existência de Israel.

Não será, todavia, com as ideias e ações repulsivas de Altman que chegaremos lá.

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