Descrição de chapéu
O que a Folha pensa saúde mental

Terapia inócua

Internação forçada de usuário, aventada por prefeito do RJ, contraria evidências

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

0
Eduardo Paes (PSD), prefeito do Rio de Janeiro (RJ) - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Quando se trata do consumo abusivo de drogas, autoridades brasileiras tendem a se esconder atrás de soluções mágicas e imediatistas que, não raro, acabam por infringir direitos humanos.

Caso recente é o anúncio feito pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de que adotará as internações compulsória e involuntária de dependentes químicos como política pública.

Contudo, quando tal medida é implementada como panaceia, de modo açodado e generalizado, contraria evidências científicas e práticas. No pior cenário, descamba na ilegalidade; no melhor, é inócua.

Em 2013, na gestão do mesmo Paes, 99 usuários de crack foram recolhidos das ruas, mas o plano foi abortado devido a questionamento do Ministério Público, que viu irregularidade na medida.

A cidade de São Paulo também aventa essa solução de modo sazonal. Em junho de 2019, conforme reportagem da Folha, dos cerca de 10 mil dependentes químicos que passaram por internação psiquiátrica no projeto Redenção, criado por João Doria, então no PSDB, e mantido por seus sucessor e correligionário Bruno Covas, 56% haviam desistido do tratamento.

Em janeiro deste ano, foi a vez de Ricardo Nunes (MDB) propor novamente a internação de dependentes na capital paulista.

As internações involuntária e compulsória constam da lei 10.216, de 2001. A primeira se dá a partir do pedido de familiar ou responsável e com autorização de um médico; a segunda é solicitada pela justiça também a partir de laudo médico.

O texto faz a ressalva de que tal ação "só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes". Ademais, é usada apenas quando o paciente está em surto ou coloca a própria vida ou a de terceiros em risco.

Mas, segundo dados do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, esses casos extremos representam só 3% dos cerca de 6.000 usuários atendidos anualmente na instituição.

Além disso, a desintoxicação é apenas o início de um longo trabalho com terapia e medicação.

Mais importante, a questão central do uso abusivo nas ruas é a vulnerabilidade social. Por isso, qualquer plano de governo deve ser interdisciplinar, com atenção a habitação, saúde, assistência social e geração de renda.

Soluções mágicas podem render visibilidade política, mas pecam por ignorar a experiência.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.