Descrição de chapéu
Claudia Costa e Fernando Neves

55 anos de nossa noite mais tenebrosa

Mesmo após revogação, infame AI-5 deixou traumas que persistem até hoje

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Claudia Costa

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é visiting scholar da Universidade Deusto (Espanha)

Fernando Neves

Jornalista e escritor

Há exatos 55 anos o Brasil mergulhava em um dos momentos mais tenebrosos de sua história ao ser decretado o Ato Institucional número 5. Nossos direitos vinham sendo cerceados desde 1964 por atos institucionais e complementares baixados pelo regime autoritário. Em 1967, o governo impôs uma nova Constituição a um Congresso expurgado. E, em 13 de dezembro de 1968, nossos direitos e liberdades foram definitivamente sequestrados.

O AI-5 permitia ao presidente da República fechar o Congresso Nacional e demais casas legislativas, intervir em estados e municípios, cassar mandatos, suspender direitos políticos, decretar estado de sítio e apreender bens de cidadãos.

Ficava proibido votar em eleições sindicais, a liberdade era vigiada e o foro por função foi eliminado. Proibia-se manifestação ou reunião por "assunto de natureza política", proibição de frequentar "determinados lugares" e domicílio determinado. As aspas, citando a literalidade do ato, mostram a incerteza jurídica em que fomos jogados. E mais: o AI-5 proibia concessão de habeas corpus aos acusados do que se considerava crime político.

Mas os caminhos da história são sinuosos e há um encadeamento a partir de 1968 minimamente curioso. Em uma sequência de 10 e 20 anos tivemos outros dois fatos igualmente emblemáticos para a nossa história.

Em 1978, sem alarde, o regime autoritário revogou o AI-5. No dia 13 de outubro, o mais infame dos instrumentos normativos de sequestro dos direitos civis e políticos desapareceu. Sua revogação foi importante, mas não o suficiente para curar o país dos traumas sofridos.

Na sequência, vêm o ano de 1988 e o dia 5 de outubro, quando foi promulgada a nossa Constituição, nascida após uma transição "vigiada" pelas Forças Armadas. Promulgada pela vontade da maioria e chamada "Cidadã". Feita desta vez por cidadãos que escutaram outros cidadãos. Redigida para ser uma obra em perpétuo aprimoramento porque fruto do nosso poder como povo, dos nossos anseios e vontade civilizatória.

A bússola orientadora da redação da Carta foi o Estado social e democrático de Direito, que transcende a lei ao afirmar a vontade popular e sua legítima representação. É o caminho na direção do bem-estar e da justiça social.

Nossa sociedade ainda está longe desse ideal. A discriminação por cor de pele, gênero, poder de consumo e orientação sexual revela quão distantes estamos da ideia de civilização.

Mas é o que temos hoje e deve ser o compromisso de todos torná-la melhor. Dá trabalho, como se sabe, mas só pode ser realizado sob o sol da liberdade e nunca na noite do arbítrio. Porque os 55 anos de nossa noite mais tenebrosa não nos deixam esquecer de que o caminho para termos nossa sociedade, com a preservação de nossos direitos, é e sempre será o compromisso com o Estado social e democrático de Direito.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.