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Celso Fernandes Campilongo

Notável saber supremo

Chega a ser constrangedor e leviano duvidar das credenciais de Flávio Dino

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Celso Fernandes Campilongo

Professor e diretor da Faculdade de Direito da USP e professor da PUC-SP (coordenador do Núcleo de Pós-Graduação em Teoria do Direito)

A Constituição aponta requisitos para a indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Dentre eles, exige-se "notável saber jurídico". Em outros tempos, o texto constitucional mencionava apenas "notável saber". Durante alguns meses, no século 19, um médico chegou a ocupar o posto. Logo depois, foi afastado. Mesmo não escrito na Carta, era evidente que o "notável saber" deveria ser, também e especialmente, jurídico. Recentemente, a discussão voltou à baila. Afinal, o que caracterizaria essa notabilidade?

Nem sempre conceitos jurídicos possuem densidade que revele objetivamente as hipóteses previstas pela ordem jurídica. Por isso, exigem interpretação. O fato de ser um conceito aberto e com contornos expostos à subjetividade não exime o intérprete da definição de "notável saber jurídico" se valer de técnicas e elementos para atestar a conformidade à lei. Isso demanda a combinação de regras e princípios, e os controles devem ser apenas parciais, sob pena de utilização arbitrária, abusiva e contraditória do próprio direito.

O presidente Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal - Evaristo Sá/AFP - AFP

Notável é quem tem destaque, reconhecimento e renome. Implica uma vida de obras, feitos, trajetórias e méritos profissionais relacionados ao mundo das profissões jurídicas. Os ministros do Supremo estão autorizados a exercer apenas uma atividade complementar: a docência. Muitos deles têm origem no ambiente acadêmico. Não há mal algum nisso, antes o contrário. A proximidade ao mundo das pesquisas e do debate inerentes às atividades universitárias rejuvenescem a leitura da Constituição. Além disso, a carreira universitária é construída pacientemente, por etapas e, geralmente, em prazos longos. É daí que se reconhece facilmente a notoriedade.

Mas seria um equívoco pensar que apenas acadêmicas e acadêmicos possam ter notável saber jurídico. Juízes, advogadas, promotoras, defensores, enfim, profissionais do direito de todas as carreiras, mesmo sem mestrado, doutorado, cátedras nas mais reconhecidas universidades, conferências em várias partes do mundo e obras publicadas —elementos indispensáveis à carreira acadêmica—, podem perfeitamente gozar do reconhecimento de seus pares e das credenciais que os associem ao notável saber jurídico. Assim como a experiência acadêmica, a vivência continuada como operadores jurídicos de destaque também revela percursos de sabedoria jurídica.

Estima-se que o Brasil tenha mais de 1 milhão de advogados. Quantos têm notoriedade? Isso vale para os juízes: aproximadamente 20 mil nas diversas instâncias. Sabidamente, os concursos tanto para a magistratura quanto para as demais carreiras jurídicas são muito difíceis. Desse total bastante refinado, quantos integrantes da judicatura possuem notável saber jurídico?

Muitos são os bacharéis em direito que atendem aos requisitos de notável saber. Como reconhecê-los? Não existe métrica uniforme ou critério consensual para as indicações, mas existem padrões que não podem ser ignorados, devem ser valorizados e permitem razoável aferição da notoriedade e do reconhecimento.

Imagine-se alguém que tenha ocupado postos de destaque na respectiva categoria —ilustrativamente, posições de direção em associações de advogados, promotores ou juízes—, que tenha ultrapassado concursos rigorosos com destaque, que possua cursos de pós-graduação e obras publicadas, que tenha lecionado, sido eleito ou indicado para postos da alta administração, como governador de estado, senador da República ou ministro da Justiça. Ora, currículos dessa envergadura, preferências pessoais à parte, objetivamente atendem às exigências constitucionais de "notável saber jurídico".

Com muitas sobras, é esse o caso, por exemplo, do ministro da Justiça, Flávio Dino. Chega a ser constrangedor e leviano que se cogite dessa dúvida.

Um tribunal constitucional não interpreta apenas um texto. Interpreta, juridicamente e nos limites da Constituição, a própria sociedade. Esse é o "notável saber jurídico" que os senadores devem aferir e, no caso da última indicação à Suprema Corte, reconhecer.

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