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José Vicente

A COP, os negros e o racismo ambiental

Têm cor e endereço os que serão mais castigados pela mudança climática

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José Vicente

Advogado, sociólogo e doutor em educação, é fundador e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e membro do Conselho Editorial da Folha

Em sociedades de desigualdades sociais e econômicas extremas, o peso e o ônus de todas as externalidades econômica, política e social acabam sobrepondo e sacrificando de forma perversa suas vítimas, imobilizando ou simplesmente eliminando qualquer possibilidade de escapar de um verdadeiro destino manifesto em que nada há por fazer e nada há para transformar.

No Brasil, essa questão ganha um colorido especial: seja pelo seu passado de desumanização pela escravidão, que permitiu pelo falseamento da inferioridade entre brancos e negros determinar portadores e não portadores de direitos e de cidadania, seja pelo reflexo do seu efeito mais visível, o impacto do racismo e a discriminação racial dos dias atuais que promove e justifica um estado de apartheid econômico e social.

Como sobejamente sabido, no Brasil, a pobreza tem cor e tem raça. Os negros são a maioria dos mais pobres e, justamente por essa justaposição, têm local definido no território: os locais mais vulneráveis e desassistidos não só das estruturas como da presença do Estado, como é o caso das comunidades periféricas e ribeirinhas. Mais do que maioria entre os pobres, a taxa de pobreza entre negros é quase o triplo em relação à dos brancos. Entre os 10% mais ricos, os brancos são 70%, enquanto os negros são 70% dos mais pobres. Os negros são a maioria dos desempregados, ganham até 40% menos que os brancos e são a maioria dos trabalhadores informais. Sem direitos, sem assistência de saúde estatal e sem recursos financeiros para adquiri-los no mercado. Uma verdadeira catástrofe social.

Como se vê e se antevê, neste país ser mais pobre significa ser mais negro, e as duas coisas juntas empurram essa grande maioria de brasileiros para locais insalubres, cheios de riscos, perigos e insegurança, como comunidades, morros, favelas, encostas e áreas de mananciais, onde impera um verdadeiro estado de anomia. Onde o Estado oficial, por definição, está sempre ausente e nunca chega.

Se essa é uma evidência real e comprovada, como parece designar dos dados, é inconcebível pensar um debate consistente e assertivo sobre transição energética, economia descarbonizada e extremos climáticos que deixa intocável, de lado e de fora, essa que é uma grande e gravíssima questão e superlativo desafio nacional. Como sabido e anotado, têm cor e endereço os que serão mais castigados e que suportarão primeiro, e de forma avassaladora, os maiores sofrimentos e violências da seca, das enchentes, do calor insuportável, dos ciclones, dos deslizamentos e da destruição de todo o patrimônio pessoal e familiar.

Assim, no momento em que na COP28, em Dubai, o mundo e o Brasil se colocaram na mesa para discutir os caminhos e ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e as externalidades dos seus extremos, é inexorável que as desigualdades produzidas pelo racismo estejam entre as prioridades —sob pena de, sem essa atenção, repetirmos e reproduzirmos o que a literatura e os especialistas têm conceituado como racismo ambiental.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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