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Mônica Oliveira, Thuane Nascimento, Selma Dealdina e Zé Vitor

Coalizão Negra por Direitos pede na COP28 combate ao racismo ambiental

A violência histórica contra comunidades quilombolas se agravou nos últimos anos

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Mônica Oliveira

Ativista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e da Coalizão Negra por Direitos

Thuane Nascimento

Cria da Vila Operária, é diretora-executiva do PerifaConnection e da Coalizão Negra por Direitos

Selma Dealdina

Assistente social, quilombola e secretária-executiva da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas)

Zé Vitor

Assistente de advocacy do Movimento Negro Evangélico, mestrando em administração pública e governo (FGV EAESP) e da Coalizão Negra por Direitos

Uma comitiva de cerca de 20 pessoas da Coalizão Negra por Direitos participa da 28ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP28), em Dubai (Emirados Árabes), onde estão reafirmando as contribuições e responsabilidades com a luta por um modelo de desenvolvimento brasileiro que tenha como princípio e estratégia o combate ao racismo, a proteção ao direito à vida e a preservação da natureza. O que não será possível se não forem eliminados os crimes de racismo ambiental que impactam cotidianamente a vida da maioria da população brasileira, que é a maior população negra em diáspora no mundo.

No Brasil, a população negra é diretamente afetada pelos impactos das mudanças do clima nas cidades e no campo. A pobreza afeta 18,6% da população branca, enquanto esse percentual fica em 34,5% entre a população preta e 38,4% entre os pardos, que juntos compõem a população negra, correspondente a 56% da população do Brasil em 2021, segundo o IBGE —as desigualdades mantêm mulheres e crianças negras em situações de profunda vulnerabilidade.

Manifestantes durante protesto na COP28 - Amr Alfiky/Reuters

O cenário de desigualdades e de violências historicamente praticadas contra as comunidades quilombolas brasileiras foi agravado nos últimos anos. É o que revela a nova edição da pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil. No quinquênio analisado, foram mapeados 32 assassinatos, com registro de casos em 11 estados e todas as regiões do país —inclusive no Centro-Oeste, que não havia registrado casos na 1ª edição. Conflitos fundiários e violência de gênero e de raça estão entre as principais causas dos assassinatos de quilombolas no Brasil. Ao menos 13 quilombolas foram mortos no contexto de luta e defesa do território.

O Brasil vive um projeto de extermínio da população quilombola, com casos emblemáticos como o assassinato da Mãe Bernadete, no dia 18 de agosto de 2023, coordenadora nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizada no município de Simões Filho, estado da Bahia. O assassinato de Mãe Bernadete é um exemplo de violência e racismo ambiental nos territórios tradicionais preservados por comunidades quilombolas.

Nesse sentido, defendemos uma política de reparação pelos 400 anos de espólio econômico, político, social e cultural sofridos pelas populações negras do sul global. Essa reparação deve se constituir como um projeto político de novo pacto civilizacional, estruturado sobre as perspectivas, práticas e saberes das comunidades tradicionais.

Em oposição ao modelo colonial extrativista, etnocida e epistemicida do capital, afirmamos que recursos naturais não podem ser tratados como ativos financeiros, cujo valor é imaginário e estabelecido em mercados dominados pelos herdeiros do tráfico escravagista. A natureza é sagrada. A população quilombola e os povos de terreiros têm sido guardiões daquilo que é para nós essencial para a preservação da vida e da nossa cultura: as folhas, as águas e todos os seres viventes.

Em quase um ano de governo Lula, acreditamos na possibilidade do combate ao racismo ambiental como ação transversal e estruturante para o global e nacional desenvolvimento econômico brasileiro. Mas para isso o comprometimento precisa acontecer na prática. E deve contar com a população negra, incorporando seus saberes tradicionais, técnicos, científicos e tecnológicos para alcance das metas das NDCs e a garantia da sustentabilidade climática e social nos biomas amazônia, caatinga, cerrado, mata atlântica, pantanal e pçampa.

No espaço urbano, o efeito das mudanças climáticas sobre a vida da população negra tem sido o aprofundamento das desigualdades urbanas, que não vem sendo enfrentadas de forma eficaz pelos "planos diretores" (sem ampla participação social e formulados de forma a garantir os interesses de grandes capitalistas urbanos) que, nos últimos 20 anos do Estatuto das Cidades, tem tornado as cidades violentas e criminosas para a vida ambiental, social, cultural e econômica das pessoas negras. O planejamento urbano espelha o racismo ambiental em perversidade, visto e sentido nos espaços criminalizados (densamente povoados pela população negra): as favelas, periferias, baixadas, morros, vales e palafitas.

Precisamos avançar em busca da meta do desmatamento zero em todos os biomas nacionais. O governo deve cumprir com sua responsabilidade para com a efetividade do Plano Nacional de Adaptação e a eliminação das desigualdades raciais, étnicas, de gênero e geracional, assegurando a elaboração e implementação de políticas nacionais, com ênfase em gestão ambiental, gestão territorial, fortalecimento da agricultura familiar e a titulação de terras quilombolas.

A COP28 inaugura um momento chave da ONU para as mudanças climáticas, iniciando um ciclo que se encerrará na COP30, em 2025, que será realizada na Amazônia brasileira, em Belém do Pará, norte do Brasil. É imprescindível que avanços importantes se iniciem já em 2023. Os países desenvolvidos devem assumir sua responsabilidade com a carbonização insustentável do planeta, assim como pelas desigualdades que essa produziu nos últimos 200 anos. E a resposta coletiva dos países em desenvolvimento e pobres em sua maioria deve ser pela adaptação e mitigação aos efeitos e impactos das mudanças climáticas nas cidades e nas áreas rurais. Os séculos de negação do Norte Global às mudanças do clima têm impacto direto e devastador na vida das populações no Sul Global.

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