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Maria Laura Canineu e Andrea Carvalho

A lacuna nos compromissos climáticos do Brasil

Sinalizações do governo põem em dúvida se prevalecerão as ambições ambientais ou os interesses petrolíferos

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Maria Laura Canineu

Diretora da Human Rights Watch Brasil, é graduada em direito e relações internacionais (PUC-SP) e mestre em direito internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra)

Andrea Carvalho

Pesquisadora assistente sênior da Human Rights Watch Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) surpreendeu muitos participantes da COP28, nos Emirados Árabes Unidos, ao anunciar no dia 2 de dezembro que o Brasil pretendia participar da Opep+, grupo de nações produtoras de petróleo, como observador. Poucos dias depois, a Climate Action Network premiou o Brasil com o "Fóssil do Dia", concedido a países "fazendo o seu melhor para ser o pior" para avançar com ações significativas nas negociações climáticas.

Embora Lula tenha reconhecido que é preciso "trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis" e tenha se somado a iniciativas para aumentar a capacidade de energias renováveis e a eficiência energética, não aproveitou sua posição na principal conferência climática do mundo para dar o passo necessário para se tornar um líder: aderir ao movimento global para eliminar seriamente os combustíveis fósseis.

As expectativas em relação ao presidente na COP28 eram altas. Desde que assumiu o cargo, em 1° de janeiro, Lula tem prometido transformar o Brasil em protagonista no enfrentamento da crise climática –e chegou à Dubai com resultados importantes para se orgulhar após anos de políticas desastrosas do seu antecessor.

Seu governo tem desacelerado com sucesso o desmatamento na Amazônia, com o compromisso de zerá-lo até 2030. Ajustou as metas climáticas do Brasil para reduzir suas emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030, com o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050. O governo também fez esforços adicionais para criar uma aliança de florestas tropicais ao redor do mundo e propor um fundo para compensar as nações pela conservação das florestas.

O presidente Lula enfatizou o compromisso do Brasil com uma transição energética limpa e renovável e repetiu a importância do compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.

Mas o compromisso contínuo do Brasil de expandir sua produção interna de petróleo e gás prejudicará essas importantes ações.

Os combustíveis fósseis são o principal vetor da crise climática. Existe um consenso crescente, inclusive por parte da Agência Internacional de Energia e do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, de que não pode haver novo desenvolvimento de petróleo, gás ou carvão para os governos cumprirem as metas climáticas globais. Há também um entendimento crescente de que os projetos existentes de combustíveis fósseis já são mais do que o clima pode suportar se quisermos evitar as piores consequências do colapso climático.

A Petrobras anunciou recentemente seu plano de aumentar o investimento em 31% e atingir em cinco anos a produção de 3,2 milhões de barris equivalentes de óleo e gás por dia. A empresa está, ademais, no centro de uma controversa tentativa de explorar petróleo offshore na bacia da foz do rio Amazonas, uma proposta ainda em consideração pelo governo. As sinalizações contraditórias do governo até agora colocam em dúvida se prevalecerão as ambições ambientais ou os interesses petrolíferos.

Nos corredores da COP28, lideranças indígenas nos disseram que a perspectiva do empreendimento já está atraindo pessoas para a região e gerando preocupação sobre os efeitos ambientais e sociais para as comunidades indígenas locais.

Eles estão certos em se preocupar. Todas as fases da utilização de combustíveis fósseis —exploração, extração, produção, armazenamento, transporte, refino, combustão e eliminação— podem ser associadas a danos aos direitos humanos. Os impactos das mudanças climáticas e dos danos aos direitos humanos são desproporcionalmente suportados por comunidades marginalizadas, que pouco contribuíram para esta crise e têm menos meios de enfrentá-la.

Em Dubai, os governos finalmente reconheceram a necessidade de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, mas deixaram a desejar em relação a um compromisso contundente de eliminação.

Para liderar pelo exemplo, como o presidente Lula disse que está disposto a fazer, ele não deveria esperar as negociações do próximo ano. É hora de tomar medidas mais ousadas no plano nacional e assumir um compromisso claro, com um cronograma de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis enquanto principais fontes da mudança climática. Isso é fundamental para cumprir as obrigações de direitos humanos e para proteger o povo brasileiro e o clima global.

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