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Cristianne Lameirinha

O direito das mulheres à literatura

Barreiras expõem dificuldades de exercerem liberdade e pensamento crítico

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Cristianne Lameirinha

Autora do romance “A Tessitura da Perda” (ed. Quelônio), pelo qual foi finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura, ambos na categoria Estreante (2023); mestre e doutora em letras (literatura francesa, FFLCH-USP)

A literatura, para Antonio Candido, é direito inalienável do sujeito, indispensável à humanização. Espaço de desacato, para a escritora argentina María Teresa Andruetto, ela nos questiona, perturbando certezas. A literatura abre as fronteiras da liberdade de pensamento e da construção do sujeito crítico e sensível, o que a torna alvo de Estados autoritários, atentos à rebeldia que costuma fomentar.

Como, então, garantir às brasileiras o acesso à leitura e à fruição literárias? Como, por outro lado, garantir a elas o direito de escrever e de serem lidas? É preciso abordar a iniquidade histórica do acesso das mulheres à educação e aos direitos políticos, e à possibilidade de se expressar e de fazer da literatura um espaço de desacato às narrativas consagradas que, de forma significativa, segregam as mulheres do papel de protagonistas, enquanto seus autores procuram manter presença hegemônica em catálogos de editoras de prestígio, no debate da crítica literária, nos currículos escolares e universitários, consolidando-se pela conquista dos principais prêmios da categoria.

Já em 1838, Nísia Floresta desacatou a sociedade ao abrir uma escola para meninas —brancas—, ensinando línguas, matemática, ciências naturais e sociais. O direito ao voto feminino, apesar de restrito às maiores de 21 anos alfabetizadas, foi incluído na Constituição de 1934, após décadas de insolência e teimosia, somadas às perseguições a quem lutava por direitos políticos iguais aos dos homens.

Ainda hoje, são muitas as barreiras enfrentadas pelas meninas para terem acesso à educação e desfrutarem da literatura como direito: condições socioeconômicas, trabalho doméstico, pobreza menstrual, gravidez precoce —associadas à carência de políticas públicas antirracistas e antissexistas de ensino.

Esse cenário permite compreender, não sem indignação, as razões pelas quais os esforços empreendidos por mulheres no intuito de concluir diferentes etapas do ensino formal permanecem invisibilizados, pouco refletindo em chances efetivas de se obter igualdade salarial e de oportunidades diante de homens com funções e formação semelhantes, o que se reflete na autopercepção das mulheres em relação à própria humanidade e em sua capacidade de fabular e exercer a liberdade e o pensamento crítico.

A lista de livros obrigatórios anunciada pela Fuvest para os vestibulares do triênio 2026-28, formada exclusivamente por escritoras de língua portuguesa, nascidas no Brasil, em Portugal, Moçambique e Angola, negras e brancas de períodos distintos, é, nesse contexto, um desacato radical. É uma oportunidade ímpar para se levar escritoras às salas de aula, de forma a debater o quão subversiva pode ser a escrita de uma parcela relevante da população brasileira e mundial, cuja produção se mantém marginalizada, em particular, por questões de gênero.

A nova lista terá impacto no mercado editorial e, sobretudo, no ensino de literatura, exigindo um esforço de leitura e análise das obras, além de pesquisa e (re)conhecimento das autoras como artistas e sujeitos de suas épocas. Também irá ampliar a repercussão das literaturas de autoria feminina entre jovens leitoras, que terão a possibilidade de ver representadas a si mesmas e a suas pautas —tomara que encurtando o caminho das mulheres rumo à garantia de seus direitos sociais, entre eles, o direito à literatura.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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