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Vinicius Coimbra

A educação como pilar da reparação

Considerava-me militante das causas da diversidade; descobri-me um leigo

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Vinicius Coimbra

Diretor de cinema, teatro e televisão

Sim, estes foram dois anos de um profundo mergulho em experiências difíceis após o meu desligamento da TV Globo. Medo, angústia, depressão e descrença. Sentimentos que me fizeram valorizar a urgência de compreendermos as vivências e as dores do outro, como caminho para conscientização e mudança.

É comum as adversidades trazerem evolução; cresci nesse processo. Eu que me achava militante das causas da diversidade —dirigi a primeira e única cena de sexo entre homens na televisão aberta, escalei protagonistas negros, abordei a opressão dos povos indígenas no século 19— descobri-me um leigo.

Diretor de TV Vinicius Coimbra fala em entrevista à TV
O diretor de TV Vinicius Coimbra - Divulgação

Diferentemente do que foi publicado a meu respeito, jamais separei camarins melhores para ninguém (essa não é função de um diretor artístico) e não segreguei as pessoas no refeitório (nem no set). Em mais de 20 anos, nunca tive queixa no compliance da TV Globo. Sempre busquei preservar relações saudáveis, a partir do diálogo e do respeito.

O que fiz foi intermediar a relação de trabalho entre o elenco da novela "Nos Tempos do Imperador" e a empresa. Não houve má intenção dos artistas, não houve má intenção da TV Globo, não houve má intenção da minha parte. O que aconteceu foi o aparecimento da ponta de um iceberg, um bloco gigantesco gerado por mais de 300 anos de escravidão no Brasil.

A minha evolução vem do estudo que fiz desse bloco, do qual a maioria das pessoas prefere ignorar a existência. Mas ele está aí, veio à tona, e chama-se racismo estrutural brasileiro.

A ponta desse iceberg, que surgiu na novela, é consequência das centenas de ocasiões em que artistas negros precisaram fazer papéis de escravizados que eram açoitados, estuprados e assassinados.

Interpretar motoristas, faxineiros, ladrões e bêbados. Ter seus corpos sexualizados. Consequência das milhões de vezes em que foram humilhados por trás das câmeras em cem anos de produção audiovisual no país.

Felizmente, essa realidade está mudando, com uma força incontrolável e irreversível. É uma revolução que acontece em vários setores, mas é ainda mais evidente nos meios de comunicação —jornalismo, publicidade, filmes, séries e novelas.

Nunca, na história do audiovisual, a população negra e outros grupos segregados da sociedade, como as pessoas com deficiência e LGBTQIA+, tiveram tanto protagonismo. Essa é uma revolução social, necessária, conquistada com muita luta.

O poder que reside no fato de uma criança negra, por exemplo, assistir a uma novela onde artistas negros ocupam papéis de destaque é de um valor inestimável. A partir dessa representação, a criança passará a acreditar que pode estar naquele lugar um dia. É a educação como pilar da reparação.

Derreter esse iceberg é uma tarefa árdua, pois os direitos humanos estão longe de serem respeitados no Brasil, país em que os preconceitos, o machismo, a homofobia e o racismo têm raízes profundas. Há sempre o perigo dos movimentos reacionários.

Mas a diversidade tem muita potência. E propósitos. Esse é um caminho sem volta.

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