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Mauro Vieira

Brasil, Gaza e o julgamento na corte internacional

Apoio político à África do Sul não prejulga qualquer decisão do mérito

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Mauro Vieira

Ministro das Relações Exteriores

Venho acompanhando com vivo interesse o debate que se estabeleceu em torno do anúncio do apoio político do país, pelo presidente Lula, à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça (CIJ) para proteger a população palestina, ao amparo da Convenção para a Repressão e Punição do Crime de Genocídio. Como o Brasil, pelo menos 65 países expressaram apoio político à petição sul-africana, tendo 2 deles, Jordânia e Bangladesh, formalizado intenção de intervir, como terceira parte, no caso.

O apoio político não prejulga qualquer decisão do mérito quanto à determinação de eventuais violações da convenção. Compete aos 15 juízes da corte deliberar de forma independente sobre a matéria, inclusive no que diz respeito à obrigação, da qual nenhum Estado pode eximir-se, de prevenir e de punir o crime de genocídio.

O presidente Lula e o líder sul-africano, Cyril Ramaphosa, durante encontro em Paris - Siyabulela Duda/Reuters - via REUTERS


E por que o apoio do Brasil à ação sul-africana na corte?

Organizações internacionais, peritos independentes e agências humanitárias competentes têm ressaltado, com veemência inédita, a possibilidade de graves violações ao direito internacional em Gaza, inclusive à Convenção de Genocídio. De fato, há alarmante número de vítimas civis em reduzido intervalo de tempo.

São mais de 24 mil mortos, dos quais 70% mulheres e crianças, em pouco mais de cem dias de operações militares. Há ainda graves relatos de cerceamento de acesso a serviços básicos e obstáculos à prestação de assistência humanitária, em cenário de ampla destruição da infraestrutura civil de Gaza.

Diante da grave situação no terreno, que inclui alarmantes cifras de 142 funcionários de agência humanitária das Nações Unidas e cerca de 100 jornalistas entre os mortos, parece-nos fundamental que o principal órgão judiciário da ONU se manifeste.

É importante sublinhar, ademais, que as medidas cautelares solicitadas pela África do Sul para afastar o risco de genocídio, ao requererem "a suspensão imediata das operações militares dentro e contra Gaza", poderiam fomentar necessário alívio humanitário e desejável ambiente de diálogo político que permita a retomada de negociações para a solução de dois Estados, convivendo lado a lado, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas.

O Brasil reitera que Israel tem o direito de defender e de proteger seus cidadãos, e, nesse sentido, de atuar, nos parâmetros do direito internacional para prevenir e punir atos terroristas. De forma consistente e coerente com sua política externa, o Brasil condenou, de modo imediato e incisivo, os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro. O Brasil também confere absoluta prioridade à urgência da cessação de hostilidades em Gaza, como demonstrou em sua atuação no Conselho de Segurança da ONU.

Tentar caracterizar a ação movida pela África do Sul como manifestação de antissemitismo é forma desafortunada de tentar mudar de assunto. No limite, é também forma desafortunada de questionar a legitimidade de importante democracia multirracial do Sul Global, marcada por emblemática história de luta contra a discriminação racial, de acionar a CIJ para resguardar os direitos mais fundamentais da humanidade.

A crítica de que a posição brasileira afetaria suas credenciais como suposto mediador nesta e em outras questões globais parte de pressuposto equivocado de que o Brasil é candidato a ser uma espécie de mediador universal. Essa pretensão não existe e não é realista. Mediadores são escolhidos pontualmente pelas partes em conflito.

Para além de coerência e consistência em sua política externa, o prestígio e o reconhecimento do Brasil perante a comunidade internacional pressupõem coragem e altivez para se posicionar a respeito de indícios de graves violações dos direitos fundamentais de um povo.

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