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Kátia Penha e Tasso Azevedo

Não adianta chorar sobre o cerrado derrubado

Desmatamento no bioma aumentou 43% em 2023

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Kátia Penha

Coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)

Tasso Azevedo

Engenheiro florestal e coordenador geral do MapBiomas

É preciso cuidar da saúde do corpo inteiro, não apenas de um órgão.

O fechamento dos dados do Deter para 2023, publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), revelou que, apesar da redução de 50% do desmatamento na amazônia, houve um aumento de 43% no cerrado.

A maior floresta tropical do mundo voltou a receber os cuidados necessários, enquanto nosso segundo maior bioma, tão vital quanto ela, não teve o mesmo tratamento e perdeu mais de 7,8 mil km² de vegetação nativa em 2023.

A crise climática pôs os olhos do mundo sobre a Amazônia, mas se nem todos lá fora conhecem a importância do cerrado, aqui no Brasil ela deveria ser óbvia.

É no cerrado que nascem oito das 12 maiores bacias hidrográficas brasileiras, incluindo a do São Francisco, da qual dependem 16 milhões de pessoas. A realidade do bioma exige estratégia de ação diferente da concebida para a Amazônia.

Enquanto na Amazônia a maioria da terra é pública e a proporção de área passível de desmatamento em propriedades rurais é de 20%, no cerrado a maior parte das áreas é privada e a área autorizável para desmatamento chega a 80%.

Por outro lado, a legislação europeia que trata da proibição de importação de produtos oriundos de áreas desmatadas leva em conta uma definição da FAO que deixa de fora mais de 70% da área remanescente de cerrado. Com a expectativa de que essa definição seja revista em breve, vem a corrida para desmatar enquanto ainda é possível.

Para reverter o quadro no cerrado, três ações são fundamentais.

Primeiro, ampliar as unidades de conservação e as terras indígenas para que atinjam pelo menos 30% da área total do bioma. A amazônia tem mais de 40% de seu território resguardado, enquanto no cerrado essa proporção fica entre 12% e 14%. Outra medida também eficaz é não dar subsídios para a agricultura em áreas onde há desmatamento e eliminar a aplicação dos recursos do Plano Safra em áreas desmatadas recentemente —independentemente de o desmate ter sido feito de forma legal ou ilegal.

Uma terceira ação é criar um mecanismo de pagamento por manutenção da vegetação nativa que serviria como incentivo para conservar e desincentivo para desmatar. O Brasil apresentou na COP28 uma proposta em que se paga uma quantia por ano por cada hectare preservado e se desconta o equivalente a 100 hectares para cada hectare desmatado. Entretanto, deixar o bioma para quem sabe cuidar dele é a opção mais lógica, mais viável e menos onerosa.

Os territórios quilombolas têm sido barreiras contra o desmatamento: dados do MapBiomas mostram que de 1985 a 2022 a perda de vegetação nativa em quilombos foi de 4,7%, ante 25% em terras privadas. No cerrado há 63 quilombos. Em 2021, o Quilombo Kalunga, o maior do país, foi reconhecido pelo Protected Planet, da ONU, como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil. O Kalunga tem 2.620 km², porém só 49% estão regularizados.

Tramitam no Incra 1.787 processos de titulação de quilombos, mas até hoje só 207 foram titulados, sendo 59 parcialmente -como o Kalunga-, que somam 38 mil km², o equivalente a 0,5% do território nacional.

Manter o cerrado de pé e vivo é condição necessária para a sobrevivência de todos, não só do povo quilombola. Nós dependemos do cerrado, órgão fundamental para o corpo Terra.

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