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David Diesendruck

Negacionismo progressista

Antissemitismo não está na agenda dos que lutam contra o racismo

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David Diesendruck

Cofundador e diretor do Instituto Brasil-Israel (IBI)

"Vivemos num momento de intensa consciencialização sobre as minorias, em que pessoas que consideram estar do lado certo da História lutam ativamente contra formas de discriminação como a homofobia, a deficiência, a transfobia e, sobretudo, o racismo."

Assim se inicia o livro "Judeus Não Contam" (Faro Editorial, 2023), de David Baddiel. Ele defende, porém, que há um tipo de racismo que tem sido deixado de fora dessas lutas: o antissemitismo.

Desde o 7 de outubro, dia do macabro ataque do grupo terrorista Hamas contra a população civil israelense, essa afirmação revelou-se tragicamente profética.

Máquinas operam em áreas alvos de ataques no sul da Faixa de Gaza - Amir Cohen/Reuters

Judeus, historicamente, militam em inúmeros grupos progressistas. A justiça social e a ambição de transformar o mundo num lugar melhor para todos são valores judaicos. No Brasil, jornalistas, intelectuais, acadêmicos e artistas judeus participam ativamente de movimentos de esquerda.

O Estado de Israel foi fundado por socialistas. Essa ideologia se manifestava, por exemplo, no ideal das fazendas agrícolas, os kibutzim, como modelo de comunidade igualitária. E também na "Histadrut", o poderoso sindicato israelense, criado logo no início do Estado, e no ativismo de lideranças históricas, como Ben Gurion, Golda Meir, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, todos do Partido Trabalhista. O país e sua sociedade civil têm este DNA.

Entretanto, após o 7 de outubro, é como se nada disso tivesse existido. Como se não pudesse haver judeus de esquerda. Como se esse direito nos tivesse sido retirado, interditado, negado e cancelado. Inclusive no caso daqueles que se consideram não sionistas. A identidade judaica tem sido sistematicamente homogeneizada e desumanizada.

Omite-se a diversidade e a pluralidade dos judeus de dentro e de fora de Israel. As manifestações semanais ao longo de dez meses pela manutenção da democracia liberal no país, que mobilizaram centenas de milhares de israelenses, foi esquecida. Como se a maioria dos cidadãos israelenses apoiasse o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e sua coalizão de extrema direita.

Também se silenciam as histórias dos pacifistas israelenses que trabalhavam em colaboração com os palestinos da Faixa de Gaza e que foram brutalmente assassinados pelos terroristas do Hamas. Vidas humanas que lutavam pela coexistência.

O fundamentalismo religioso do Hamas é igualmente ignorado. Bem como a sua defesa da destruição do Estado de Israel. O slogan "Palestina Livre, do Rio até o Mar" transformou-se em bandeira desse grupo. Que Palestina seria esta? A do mandato britânico? A da partilha da ONU, de 1947? A da Guerra de 1967? E livre de quem? Da ocupação militar israelense? Dos judeus?

Cria-se, assim, uma narrativa na qual a responsabilidade pela guerra é exclusiva de Israel e dos judeus. Qualquer voz aberta ao diálogo é violentamente atacada.

Bandeiras de Israel durante protesto contra Binyamin Netanyahu em Tel Aviv - Alexandre Meneghini - 6.jan.24/Reuters

O psicanalista Christian Dunker, por exemplo, foi duramente criticado nas redes sociais por ter participado de um evento, agendado antes do dia 7 de outubro, sobre o músico Roger Waters e antissemitismo.

Essa negação da diversidade dos judeus, de dentro e de fora de Israel, enfraquece aqueles que há décadas lutam por um futuro melhor para israelenses e palestinos. E cumpre, rigorosamente, a agenda do Hamas e da atual coalizão de Binyamin Netanyahu, de jamais permitir a coexistência entre israelenses e palestinos.

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