Descrição de chapéu
Ricardo Viveiros

O que nos mantém vivos?

São as pessoas e seus textos, sons e imagens que nos conscientizam para não repetirmos coisas ruins

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ricardo Viveiros

Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto)

Mais um ano se inicia na vida de todos nós. Ficamos "bonzinhos" na época de Natal, fizemos promessas de mudanças para 2024 e seguimos enfrentando novos e velhos problemas. É verdade que em termos de Brasil estamos evoluindo em diversos aspectos no esforço concentrado para reparar danos do passado.

Ao olhar com atenção além de nós, para o mundo como um todo, surge uma pergunta: o que nos mantém vivos? A fé, a esperança em dias melhores para muitas pessoas. Ter saúde, responderão outras. Várias dirão que os seus compromissos familiares, os que amam e delas dependem. Algumas afirmarão que é ter sonhos. Tudo isso é verdadeiro.

Para nos manter vivos há, entretanto, outras necessidades que passam pela paz, meio ambiente, segurança alimentar, cultura, educação e, claro, o equilíbrio econômico com crescimento sustentado. Respeito é essencial. Soberania, independência, liberdade, democracia e direitos humanos. Nesse âmbito está a Política –desde que assim, com maiúscula.

Temos visto tantos desentendimentos, incompreensões, projetos pessoais e não coletivos, corrupção, violência que corremos o risco do mal maior: a desesperança. Lembro-me de que em 1973, em plena a ditadura que prendia, torturava e não hesitava em matar pessoas que pensavam diferente, Esther Góes e Renato Borghi, corajosamente, fizeram uma colagem de textos do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht e montaram a peça "O que Mantém um Homem Vivo?", direção do próprio Borghi e de José Antonio de Souza. Quase dez anos depois, já próximos da redemocratização, eles remontaram o espetáculo, em 1982, dessa feita com direção de Elias Andreato e Marcio Aurélio.

Em 2019, o mesmo Borghi, então comemorando 60 anos de carreira, mais uma vez exibe a mesma peça em um período de nossa história em que víamos a ascensão de um brutal radicalismo confrontando direita e esquerda, sob um surto de dissonância cognitiva com ataques de todo tipo às instituições e, em especial, mais uma vez agredindo os que pensavam diferente. Um ano depois, o Brasil e o mundo ainda sofreriam com a pandemia da Covid-19. Borghi foi repetitivo? Não, porque necessário.

Mais tarde, já no pós-período eleitoral de 2022, os "camisas verderelas" ocupavam as portas de quarteis do Exército, fechavam estradas e, integrantes de uma seita que não aceita a realidade, cantavam o Hino Nacional Brasileiro em torno de um pneu e acendiam a lanterna de seus celulares para o céu pedindo intervenção extraterrestre contra a decisão do voto popular. Opção que, constitucional e legitimamente, havia elegido um novo presidente da República. No início de 2023, esses mesmos supostos nacionalistas, ao pior estilo nazista/fascista, invadiram os prédios dos três Poderes em Brasília e depredaram o patrimônio público, incluindo peças históricas e obras de arte.

O que nos mantém vivos? Ao que nos mostra a história, a resposta inclui a arte. Está nas pessoas que com seus textos, sons e imagens, ao longo do tempo, não medem riscos e esforços para dizer a verdade e nos conscientizar para que coisas ruins não aconteçam de novo. Que esses adoráveis teimosos, pessoas indispensáveis, sigam eternamente lutando por todos nós. Só assim, a cada 12 meses, poderemos desejar: "Feliz Ano Novo!"

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.